Título: A globalização de "family offices" e o papel da América Latina
Autor: René Werner
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Eu &, p. D2

Recentemente participantes de "family offices" do mundo inteiro se reuniram em Palm Beach para discutir os diversos aspectos que permeiam a criação de um escritório de família. Um dos destaques foram a América Latina, uma região que começa a se tornar cada vez mais um pólo de "family offices", na medida em que as famílias latino-americanas se inserem no contexto de um mundo sem fronteiras. Eu representei o Brasil e apresentei uma palestra que evidenciou os desafios da criação de um escritório de família na América Latina considerando-se os aspectos culturais.

Dentre os diversos temas tratados podemos separá-los em dois grandes blocos: temas relativos aos aspectos intangíveis dos valores da família e sua missão no contexto social e temas voltados à gestão dos patrimônios. O destaque se fez em relação à importância do indivíduo no contexto da família, a necessidade de se dar aos herdeiros a oportunidade de buscar a sua própria realização pessoal (o que nem sempre significa compartilhar o sonho dos criadores da fortuna), mas que em suma significa gerar mecanismos de identificação, pois sua responsabilidade como acionistas e eventualmente como gestores é uma realidade.

Hoje os especialistas preconizam que a perpetuidade do patrimônio familiar está ligada ao comprometimento das novas gerações com os propósitos que originaram o patrimônio. Cabe destacar a necessidade de treiná-los tanto nos aspectos relacionados aos empreendimentos, como assimilar os valores e a missão da família. Já no âmbito da gestão tangível, o que se nota é a que a capacidade de gerir uma operação se diferencia da capacidade de gerir o operacional, mas que o sucesso está ligado a uma gestão profissional.

Outro destaque no evento foi o conceito de que a perpetuação patrimonial deve-se adequar à visão de que uma família compromete-se com a sua sustentabilidade - que certamente assegura que a propriedade está comprometida com a governança corporativa e familiar. Não é mais viável no mundo globalizado ter uma coisa sem a outra, pois os acionistas representam o operacional tanto quanto o operacional simboliza o acionista.

Cabe ressaltar que globalmente a consciência de um processo de inserção social não é visto pelos líderes de filantropia estratégica apenas como uma forma de retribuir a sociedade, e sim de que o fato de doar é um reflexo dos valores da família. É essencial fazê-lo de forma profissional, avaliando o seu comprometimento e sendo capaz de analisar o resultado obtido em parcerias com outras organizações. Especialistas também enfatizaram que envolver as novas gerações no processo filantrópico é uma das melhores formas de concretizar os valores familiares e gestão de valores reais.

A perpetuação do patrimônio familiar também foi bastante discutida e para ela se pressupõe duas vertentes: a formal, utilizando-se estruturas embasadas com regras e diretrizes discutidas entre as gerações que resultam em comprometimentos; a fundamentação de sustentação das estruturas em conseqüência de um aprendizado coletivo e que em muito ultrapassa o processo formal.

Uma experiência lúdica do evento demonstrou o quanto a comunicação é importante. Para tanto, utilizam-se de uma técnica de dramatização de cenários clássicos de relacionamento familiar - experiência que deixou explícito que a melhor solução é a comunicação entre todos que atuam na família, inclusive os profissionais internos e externos.

Relevante também é notar que não se deve transformar o processo sucessório em um embate entre candidatos e sim criar mecanismos que não expõem seus elementos a um crivo do público interno e externo que possam trazer como conseqüência, ganhadores e perdedores. Exemplificando: administrar o tangível é uma atividade que se pode terceirizar com especialistas, enquanto o intangível tem de ser construído no seio da família.

Por último - mas não menos relevantes - foram as palestras que reconheceram que a inserção das novas gerações no patrimônio familiar se dá não somente no momento que assumem atividades, mas sim no fato de que desde o seu nascimento estão inseridas num universo que gira em torno dos negócios da família, nos seus valores e na missão que ela representa. Que a troca de experiências, não importando a idade dos membros da família deve se estabelecer de forma contínua e transparente, nos aspectos positivos e negativos do que significa ser um herdeiro.

René Werner é diretor da Werner & Associados, especialista em governança familiar e corporativa e consultor em desenvolvimento societário

E-mail rwerner@ werner associados.com.br

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