Título: Estratégia frente à China divide opiniões
Autor: Marília de Camargo Cesar
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2006, Especial/Fórum Econômico Mundial, p. A7
Os empresários brasileiros e latino-americanos precisam abandonar a visão romântica que ainda possam ter da China e partir para uma abordagem mais direta de investimento naquele país. Isso inclui intensificar o processo de internacionalização da economia brasileira e do chamado "outsourcing", ou seja, a terceirização da produção e a abertura de fábricas em solo chinês. A avaliação, que gerou controvérsia entre os participantes do Fórum Econômico Mundial para America Latina, é de Roberto Abdenur, embaixador do Brasil nos Estados Unidos. A China esteve no centro de diversos debates ao longo da tarde e foi tema de um dos painéis ontem no primeiro dia do fórum, que reuniu cerca de 300 lideranças empresariais, acadêmicas e da sociedade civil no Grand Hyatt Hotel. Para sugerir o "outsourcing", o embaixador citou o exemplo de empresas brasileiras que anunciaram investimentos na construção de indústrias na América Central por conta de um acordo de livre comércio assinado entre esses países e os EUA. Essas empresas poderão beneficiar-se de tarifa zero para vários produtos, enquanto a exportação a partir do Brasil é taxada com tarifas mais altas. "O que as empresas americanas fazem quando investem na China é isso. Você não pode criar ou preservar empregos mediante o fechamento da sua economia" , disse o embaixador. Para Abdenur, tomar providências para conter um fluxo excessivo de exportações chinesas para o Brasil, como foi feito com os têxteis recentemente, é aceitável. "Mas isso não vai durar para sempre, nem pode, pelas regras do comércio internacional. O que nós temos de fazer é ganhar competitividade." Nessa busca, estabelecer bases de produção no exterior faz parte de uma estratégia de médio e longo prazos que tornariam a economia mais saudável e forte, na opinião do embaixador. Carlo Lovatelli, diretor de assuntos corporativos do grupo Bunge, concorda que, ao menos para os processadores de commodities, como a soja, a saída para conseguir colocar na China produtos de maior valor, como o óleo ou o farelo, é abrir fábricas em solo chinês. "Vamos exportar nossa força de trabalho para lá", disse. Essa solução pareceu ao economista-sênior do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Maurício Mesquita Moreira, uma idéia estapafúrdia. "A gente não tem exatamente um excesso de emprego, tem?", questionou ele. Dada a gravidade do desemprego em toda a América Latina e no Brasil, em particular, a sugestão de Moreira é dar melhores condições fiscais e de infra-estrutura para que as empresas que são mais intensivas em mão-de-obra se instalem nas regiões em que o salário é mais baixo. "É não exportar a nossa força de trabalho." Moreira acredita que a opção pelo "outsourcing" seria a mesma coisa que "jogar a toalha". "Não estou dizendo que nenhuma empresa brasileira deve investir na China. Estou dizendo que não se deve partir do principio que não se tem como competir com eles", afirmou o economista do BID. Mesmo acreditando que há formas de melhorar o posicionamento brasileiro e latino com relação ao dragão chinês, Moreira lembrou que, no setor de manufaturados, a competição global tende a acirrar-se porque os indianos ainda devem mostrar a quê vieram. As exportações chinesas de manufaturados passaram de 1% do total global para 12% em 20 anos, enquanto as vendas da América Latina ficaram estáveis, com 4% do bolo global, segundo dados apresentados por Moreira no painel. "Esta área está cada vez mais congestionada. Daqui em diante problemas macroeconômicos como a inflação, que eram tolerados na década de 80, ou taxas de juros de 16%, não serão mais aceitáveis", disse. Se o Brasil não atacar essas questões macroeconômicas ao mesmo tempo em que aprofunda as reformas microeconômicas, a tendência é permanecer "sempre no Terceiro Mundo". O economista afirmou que apesar da melhora dos fundamentos econômicos do país, sua capacidade de competir no mercado mundial ainda é muito baixa. A taxa média de investimento tanto no Brasil, inferior a 20% do PIB, quanto na America Latina, em torno de 20%, compromete esse avanço. Na China, a taxa de investimento é de 50% do PIB. "Mas ninguém consegue investir 50% do PIB para sempre", acrescentou Moreira. Outros participantes do painel lembraram dos aspectos negativos da economia chinesa que ainda representam vantagem competitiva para os latinos. José de la Fuente, vice-presidente da divisão da América Latina da Bemis Manufacturing Company, afirmou que a falta de transparência, as dificuldades para resolver questões de propriedade e o acesso precário à internet são pontos importantes. O custo dos investimentos em marketing também foi mencionado. "Os chineses não saem pelo mundo para comprar, você é que precisa ir lá para vender", afirmou.