Título: "Um negócio chamado mensalão"
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2006, Política, p. A8

A estratégia de minimização de danos talvez fosse o que restasse ao PT. Em seu derrotado relatório paralelo na CPI dos Correios, admitiu crimes em série para construir uma versão, que, em tese, afastaria ainda mais o escândalo do presidente. O parecer petista admitiu que armou-se um esquema com Marcos Valério para estruturar um caixa paralelo de campanha eleitoral , com repasses mensais de recursos aos partidos. Reconhece que a operação de antecipação de receita publicitária feita por Valério com a Visanet foi "atípica". Não retira da lista de suspeitos de caixa 2 nenhum dos deputados do PT que enfrentaram ou ainda enfrentam pedidos de cassação. Torna-se um réu confesso como jamais existiu na história brasileira. Ainda que Lula tenha sido preservado no relatório aprovado ontem, de Osmar Serraglio (PMDB-PR), na parte em que este frisou que é de sabença que o presidente, mesmo estando na cúspide , não tinha como lobrigar - traduzindo para o português, que não sabia de nada - o PT lutou por outra versão para atingir o parecer em seu ponto mais frágil e que ao mesmo tempo, mais aproximava Lula do conceito de crime de Estado, : a existência e a definição "de um negócio chamado mensalão", como ao assunto se referiu o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) em seu depoimento no Conselho de Ética da Câmara. No parecer de Serraglio, marca-se um palpite duplo: o mensalão poderia ser um pagamento periódico aos partidos, que o redistribuíram em seguida para a base, em troca de filiação partidária e fidelidade em algumas votações. A argumentação é frágil. Nem mesmo Jefferson, o autor da denúncia, foi categórico neste sentido. Em sua primeira entrevista, em junho do ano passado, o então parlamentar não mencionou a finalidade do mensalão. Ao depor na CPI, mencionou a ligação com a migração de partidos. A fidelidade da base governista ao governo Lula diminuiu em 2004, o ano em que os pagamentos se deram com maior regularidade. Troca de filiação por dinheiro seria comprovável com a quebra dos sigilos dos deputados que migraram para PP, PL e PTB, o que não foi feito.

-------------------------------------------------------------------------------- Convencer o eleitor de que Lula sabia é o desafio -------------------------------------------------------------------------------- A menos de seis meses da eleição, não é mais possível dissociar um pedido de impeachment presidencial de uma manobra para aumentar o desgaste do governo. E que irá funcionar: tão logo chegue o pedido de abertura do processo, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdo B-SP), irá arquivá-lo, entrando na alça de mira oposicionista, logo atrás do ministro da Justiça. Em setembro, caberá aos marqueteiros do PSDB a delicada tarefa de convencer o eleitorado de que Lula tinha a sabença das coisas. Um antigo estrategista de campanhas eleitorais, especialista no ataque, até mesmo pessoal, aos adversários políticos, vê altos riscos na operação: ela poderia vitimizar o alvo e surtir o efeito exatamente oposto. Cita dois casos concretos em que os tucanos erraram a mão: em 1996, tinham em Campinas uma candidata de imagem suave, a deputada estadual Célia Leão, e um adversário com uma história política longa e complicada, o então deputado Francisco Amaral, no PPB. A campanha eletrônica da tucana não poupou sequer o fato de Amaral ser um homem de idade avançada. O pepebista ganhou. Em 2002 foi a vez do próprio José Serra. Os ataques a Lula na reta final da campanha não só não tiraram o tucano da posição difícil em que já se encontrava como cristalizaram uma imagem de agressividade no candidato que teve que ser retrabalhada na campanha seguinte, em 2004. As imagens de um apresentador criticando a fraca formação educacional de Lula e da atriz Regina Duarte dizendo-se com medo da sua ascensão seriam os dois momentos mais emblemáticos do que foi a campanha do PSDB naquela ocasião. Ao assumir-se culpado e eximir Lula das malfeitorias, o PT já busca cauterizar um eleitor que claramente separou Lula do partido em 2002, ao outorgar ao primeiro 46% dos votos no primeiro turno e ao segundo 17% da votação para a Câmara dos Deputados. Para tentar provar que Lula sabia, o antigo marqueteiro sugere que talvez fosse mais segura uma estratégia que se afastasse do emocionalismo, da peça de propaganda que visasse despertar a indignação ou o terror no eleitor. Algo semelhante à opção dada pelo tribunal a Shylock, o agiota do "Mercador de Veneza", de Shakespeare, que exigia uma libra da própria carne do seu devedor inadimplente: para não perder tudo que tinha, teria que extrair a carne sem verter uma gota de sangue. Shylock desistiu.