Título: João Paulo é absolvido por 256 votos
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2006, Política, p. A9

No dia que a CPI dos Correios aprovou relatório no qual é provada a existência do mensalão, o plenário da Câmara absolveu mais um réu confesso do recebimento de recursos do valerioduto. Por 256 votos a 209 (com sete brancos, nove abstenções e dois nulos), o plenário manteve o mandato do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara, absolvendo-o de envolvimento com o mensalão. A absolvição do ex-presidente da Câmara foi fruto de quatro fatores, que têm se mostrado decisivos para a conquista do perdão pelos parlamentares acusados de envolvimento com o mensalão: o humor do plenário (e sua insensibilidade à opinião pública), a reputação do parlamentar, a boa relação dele com os colegas e os acordos partidários. O quórum, diferente das últimas votações, foi alto, e 483 participaram do julgamento do ex-presidente da Câmara. João Paulo foi beneficiado pelo clima da Câmara. Com a opinião pública focada na votação do relatório final da CPI dos Correios, pouco se falou da cassação do petista nos últimos dias. Fenômeno semelhante ajudou Romeu Queiroz (PTB-MG) a ser absolvido no plenário em dezembro, quando só se falava em convocação extraordinária, orçamento e outras questões. Sem pressão, o plenário fica mais à vontade para livrar os colegas. Na tentativa de ajudar a cassar o mandato de João Paulo, PSDB e PFL fizeram esforço para colocar todos os seus deputados no plenário. São necessários 257 votos para cassar um parlamentar. Quanto menos votantes na sessão, melhor para o acusado. A avaliação de deputados experientes é de que uma votação de perda de mandato precisa ter pelo menos 480 votantes, porque pelo menos 190 deles são votos certos pela absolvição. "Avisamos a bancada de que vamos publicar os nomes de todos os deputados que faltarem à votação. A ausência é um voto pela absolvição", disse o deputado Pauderney Avelino (PFL-AM). O deputado Wanderval Santos (PL-SP) foi absolvido, há duas semanas, em função do baixo quorum de 444 parlamentares. A boa reputação e a afeição dos colegas por João Paulo, fora o fato de que um presidente da Câmara tem forte relação de troca com seus liderados, também contribuíram para a salvação do seu mandato. Mas o fator fundamental foi mesmo o acordo branco entre os principais partidos mensalistas. PT e PL se uniram novamente para livrar o deputado - já haviam salvo Wanderval Santos (PL-SP), há duas semanas. Parte do PP e toda a bancada evangélica colaboraram com João Paulo. O petista é acusado de receber R$ 50 mil do valerioduto. Pesavam contra ele também diversas irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em contrato firmado pela Câmara com a SMP&B. O acordo foi feito durante a administração do petista à frente da Casa. A relação próxima de João Paulo com Marcos Valério nessa época também foi mencionada pelo relator do processo, deputado Cezar Schirmer (PMDB-RS). Valério presenteou João Paulo, na época, com uma Mont Blanc. João Paulo só se desfez do mimo um ano depois, quando já havia estourado o escândalo. Para Schirmer, João Paulo não convence ao tentar explicar os R$ 50 mil sacados da conta da SMP&B por sua mulher (teriam sido usados para o pagamento de pesquisas de opinião). O petista chegou a dizer que a esposa foi ao Banco Rural pagar uma conta de TV a cabo antes de confessar o recebimento dos R$ 50 mil. Em sua defesa na tribuna do plenário, João Paulo pediu desculpas ao relator Schirmer. Quando da votação de seu relatório pelo Conselho de Ética, ele acusou o relator de "mentiroso" e "preconceituoso". "Quero pedir desculpas ao deputado Schirmer se eu o ofendi. Não é do meu feitio, da minha maneira de ser. Gostaria que ele recebesse esse pedido de bom coração", disse. O petista fez mea-culpa no plenário. Deu a entender que , de fato, errou ao usar caixa 2. "Episódios como esse contribuem para nós sairmos mais fortes e mais humildes, para eu ser um outro homem, um outro cidadão, um outro companheiro e um outro político", disse. João Paulo ainda teve tempo para fazer analises políticas sobre o futuro do país e previu outros escândalos semelhantes ao do mensalão. "Nesse caminho, o Brasil será impossível de governar. Precisamos de um novo padrão de política. Hoje, somos nós. Amanhã, pode ser um companheiro nosso porque o sistema é esse e funciona assim. Precisamos aprovar a reforma política", analisou. João Paulo revelou que chegou a pensar em abandonar a política. A filha o teria convencido do contrário. E apesar de pedir desculpas a Schirmer, voltou a criticar o relatório do pemedebista. "O texto foi demasiadamente forte e criou uma imagem que não é minha", disse. E pediu a absolvição aos colegas. "Vocês não vão absolver uma pessoa do mal", completou. O ex-presidente da Câmara revelou aos colegas ter sempre usado a ética como aliada em sua trajetória. "Tenho atuado em todos esses anos pautado pela ética, que tem sido a razão da política que tenho feito. Às vezes, me pego pensando e não sei como entrei nessa situação em que me encontro", disse, em seu discurso.