Título: Ex-assessor de Palocci escapa de indiciamento
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2006, Política, p. A9
O principal suspeito de ter passado o extrato da conta bancária do caseiro Francenildo Costa para a imprensa, Marcelo Netto - ex-assessor de imprensa do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, recusou-se a responder às perguntas da Polícia Federal, em depoimento realizado na manhã de ontem. Por duas horas e meia, Netto ouviu indagações da PF e a todas disse que tinha o direito de ficar calado para não se auto-incriminar. Segundo relato de assessores da PF, ele só respondeu a questões que não tratavam diretamente da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro e do vazamento à imprensa. "Ele disse que estava abalado por conta de estresse", informou um agente. O delegado responsável pelas investigações, Rodrigo Gomes Carneiro, não indiciou Marcelo Netto. Segundo explicou um agente da instituição, "o convencimento do delegado é o de que não há elementos que o vincule (Netto) a qualquer crime". Nos depoimentos tomados até aqui - de Palocci, do ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, e dos assessores diretos de do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos - Daniel Goldberg e Cláudio Alencar -- não há nenhum que diga que o extrato da conta bancária de Francenildo passou por Netto. Já o principal suspeito de ordenar a quebra do sigilo, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, disse à PF, em depoimento que fez em sua residência, na terça-feira, que o extrato bancário do caseiro apareceu em sua casa através do então presidente da Caixa, Jorge Mattoso. Mattoso afirmou à PF que recebeu o extrato de funcionários da Caixa. Os depoimentos tomados até aqui não permitiram à Polícia Federal chegar a uma conclusão sobre os dois crimes que estão sendo apurados: quem ordenou a quebra do sigilo e quem vazou o extrato bancário do caseiro para a imprensa. A PF também não pretende convocar os jornalistas da revista "Época" para depor, em respeito à prática da imprensa de garantir o sigilo da fonte. Assim, a apuração ficou no limbo. A PF não descobriu quem ordenou, nem quem vazou o sigilo do caseiro. Ontem, a instituição também não soube informar sobre novos depoimentos, nem sobre a agenda da investigação. Há informações do governo que indicam que Mattoso será novamente convocado a depor. O risco é o de prevalecer a versão dos advogados de Palocci: a de que o extrato chegou a ele, por acaso, pelas mãos do ex- presidente da Caixa. José Roberto Batocchio, advogado de Palocci, numa atitude marota, patrocinou na terça-feira uma operação de driblagem da imprensa. Ele pediu a dois assessores da Ordem dos Advogados, ex-colaboradores seus, jornalistas Irineu Tamanine e Bartolomeu Rodrigues, que convocassem uma entrevista coletiva para às 17h, no Hotel Meliá. Exata hora em que ele estava acompanhando o depoimento de Palocci à PF, numa operação envolta em sigilo. Com isso, Batocchio conseguiu evitar fotos do ex-ministro da Fazenda com a polícia, ou da PF entrando na residência de Palocci. A Polícia Federal também não soube informar à imprensa que Palocci estava depondo na noite de terça-feira. O Valor conversou com a assessoria da PF às 20h de terça-feira e recebeu a notícia de que nem o delegado-geral, Paulo Lacerda, sabia de qualquer depoimento. O despiste articulado pelo advogado de Palocci deixou à espera cerca de 70 jornalistas que lotavam o saguão do Hotel Meliá. Quando convocados para a entrevista coletiva, os jornalistas foram informados de que Marcelo Netto faria declarações bombásticas. Cogitava-se que ele poderia vincular assessores diretos de Thomaz Bastos ao episódio. No Palácio do Planalto, a assessoria de comunicação do governo teve que dar explicações para desfazer os boatos de que o ministro da Justiça estava demissionário. Ao chegar para a entrevista às 22h, cinco horas depois do horário marcado, Batocchio não queria admitir nem que Palocci tinha sido indiciado pela PF. O advogado esperou que os jornalistas fizessem a mesma pergunta por quatro ou cinco formas diferentes. Apegou-se a formalismos jurídicos para evitar a resposta, dizendo, ora que o ex-ministro não fora incriminado, ora que ele estava disposto a responder a todas as perguntas. Ontem, em nota, Batocchio negou qualquer tentativa de "manobra". O advogado disse que o depoimento começaria às 15h e, portanto, achava que chegaria às 17h para a coletiva. Culpou Rodrigo Carneiro, que se atrasou. A versão do advogado não confere com a do delegado. Rodrigo Carneiro justificou, ontem, que não avisou Lacerda nem a imprensa sobre o depoimento por "falta de tempo". A quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa tornou-se um caso de mentiras e desmentidos com potencial devastador sobre o governo, mas corre o sério risco de acabar sem a punição formal de nenhum dos envolvidos.