Título: "Corrida do minério" dá nova vida a cidades de MG
Autor: Ivana Moreira
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2006, Especial, p. A16

Raimundo Nonato Barcelos, o "Nozinho", prefeito de São Gonçalo do Rio Abaixo, com 8,5 mil habitantes, vive o melhor dos mundos para homens públicos. Tem muitas idéias na cabeça e dinheiro em caixa para colocá-las em prática. O município tinha uma receita mensal pouco superior a R$ 400 mil e a viu crescer quase 400% no último ano. A prefeitura tem agora perto de R$ 2 milhões por mês para gastar. E prevê um faturamento de mais de R$ 4 milhões mensais a partir do ano que vem. O rápido enriquecimento de São Gonçalo do Rio Abaixo é conseqüência de uma verdadeira corrida ao minério de ferro que está levando empresas com jazidas em Minas Gerais a fazer grandes investimentos para ampliar a produção. Somente a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), controladora da mina de Brucutu, localizada no município, está gastando US$ 1,1 bilhão para elevar o volume de extração nessa jazida das atuais 6 milhões de toneladas para 30 milhões de toneladas anuais. Além de ampliar a produção na mina, a Vale está construindo uma grande usina de concentração de minério de ferro. É a maior unidade em implantação no mundo. O empreendimento entra em operação em julho, com produção inicial de 12 milhões de toneladas/ano. A demanda chinesa por aço abriu espaço para o forte aumento no preço do minério de ferro, que teve alta de 71% em 20005 e deve subir mais 20% este ano. É neste contexto - que sinaliza a manutenção de um elevado nível produtivo na indústria do aço nos próximos anos - que as mineradoras estão apostando. E na esteira, municípios mineradores, como São Gonçalo do Rio Abaixo, vivem um ciclo de desenvolvimento. Na mina de Brucutu, 6 mil trabalhadores, empregados da Vale e das empreiteiras contratadas, foram envolvidos com as obras do projeto. Foi preciso construir alojamentos para os operários e reservar todos os quartos disponíveis nos hotéis das cidades vizinhas (Santa Bárbara, Barão de Cocais e João Monlevade) para acolher profissionais. Carlos Frederico Pacheco Furtado, coordenador de engenharia da Vale, por exemplo, está hospedado num hotel de Santa Bárbara desde junho de 2005. São Gonçalo não tem sequer uma pequena pousada e ficou praticamente de fora dos arranjos para hospedagem. Mas não quer ser preterida na escolha dos 1,5 mil funcionários que serão contratados pela Vale quando o empreendimento entrar em operação. Além desses, outros 850 deverão ser contratados pelos prestadores de serviço da companhia. "A cidade deveria ter se preparado para receber essas pessoas há mais de dois anos, quando a Vale começou a falar dos estudos para este investimento", diz Nozinho, o prefeito, que está em seu primeiro mandato. Com a nova receita da prefeitura, engrossada pelo crescimento da arrecadação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), Nozinho já comprou quatro ônibus para fazer o transporte dos estudantes da zona rural para as duas escolas públicas no centro da cidade. Antes, o transporte era feito quase exclusivamente por velhas Kombis. Ele também investiu no sistema municipal de saúde, montando cinco equipes para o programa de saúde da família. A cidade ainda não tem hospital, mas já dispõe de ambulâncias novas para prestar um socorro ágil. O prefeito também colocou em prática o seu "Plano de Obras" que será concluído até 2008. No pacote está a construção, já iniciada, de uma estação de tratamento de água e a abertura de uma estrada de 15 quilômetros para ligar São Gonçalo do Rio Abaixo a Itabira, onde está a maior unidade de produção de minério de ferro da Vale em Minas Gerais. O novo caminho reduzirá para poucos minutos a viagem que hoje leva mais de uma hora. Nozinho acredita que essa facilidade de acesso para Itabira, cidade que tem um centro comercial já consolidado, será mais um atrativo para fixar novos moradores em São Gonçalo. Centro cultural e parque de exposições são outras obras previstas no seu plano. "A pessoa também têm de ter opção de lazer para querer ficar aqui." Além de médicos e enfermeiros, a prefeitura contratou administradores e advogados para profissionalizar a gestão. Um consultor ajuda o prefeito nas questões tributárias, como o pedido de revisão da participação do município no bolo da arrecadação estadual de ICMS. Hoje, a cota de participação da cidade, calculada com base na população residente, é a mínima estabelecida pela legislação. Mas com a previsão de crescimento da população, a prefeitura já está dando andamento ao processo para pedir elevação dessa cota. É o crescimento do ICMS e da Compensação Financeira Sobre a Exploração Mineral (CFEM), a partir do início da operação da usina da Vale, que deverá garantir a receita esperada de R$ 4 milhões mensais. Com a ajuda de outro consultor contratado pela prefeitura, Nozinho quer ver a Associação Comercial, Industrial e Agropecuária da cidade envolvida num trabalho de sensibilização dos empresários locais. A idéia é mostrar a necessidade de estar preparado para aproveitar as oportunidades que se aproximam com a chegada dos novos funcionários da mina da usina. E também dos forasteiros - profissionais liberais, pequenos empresários e comerciantes - que passaram a enxergar em São Gonçalo uma espécie de nova Canaã dos Carajás, cidade do Pará que surgiu e cresceu à reboque da exploração do minério. Os investimentos de empresários de fora da cidade já começaram a chegar. Em apenas 60 dias, a primeira faculdade do município foi construída num terreno doado pela prefeitura. A Faculdade de Educação e Estudos Sociais de São Gonçalo do Rio Abaixo ofereceu neste semestre vagas em quatro cursos (Educação Física, Normal Superior, Administração e Enfermagem), com mensalidades entre R$ 350 e R$ 400. As quatro turmas, com até 45 alunos, foram preenchidas com facilidade. Há outras frentes de negócios surgindo na cidade. Dentro de no máximo 45 dias será lançado o primeiro loteamento da cidade, um empreendimento imobiliário que começará a mudar o desenho urbano de São Gonçalo. A zona urbana, hoje, está restrita a um pequeno amontoado de imóveis, de no máximo dois andares, em torno de uma histórica capela barroca. Além dos empregados diretos e indiretos da Vale, a expectativa é de que cada um dos 2,3 mil novos postos de trabalho induza a abertura de outros dois na microrregião de São Gonçalo do Rio Abaixo. Diretor da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de São Gonçalo, José Flávio Linhares conta de um levantamento no qual foram registrados 50 planos de investimento na cidade, que poderão ou não se concretizar. No momento, uma das prioridades do diretor é orientar o comércio local na qualificação dos funcionários para um melhor atendimento ao público e na modernização dos sistemas de cobrança. A maior parte dos estabelecimentos ainda vende "fiado", com conta anotada na caderneta. Linhares tenta convencê-los de que é preciso gastar em sistemas de recebimento com cartões de crédito e débito e mecanismos de proteção ao crédito, como consulta de cheques. O comerciante Rodilon Diniz da Fonseca foi um dos primeiros a acatar a orientação. Dono do Supermercado São José, o maior da cidade, inaugurado há dez anos, Fonseca acaba de instalar computador nos dois caixas e máquinas de recebimento com cartões, embora 80% das suas vendas ainda sejam na base da caderneta. Além de investir em tecnologia, Fonseca ampliou o mix de produtos à venda. Abriu um açougue dentro do supermercado. E uniformizou os oito funcionários. Animado, faz planos para ampliar seu estabelecimento no centro e, no futuro, abrir uma filial em um dos loteamentos da cidade.