Título: Líderes mundiais estudam criar estoques de alimentos
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2009, Especial, p. A14

Países ricos e emergentes vão se comprometer a examinar a viabilidade de criar um esquema para a estocagem internacional de produtos agrícolas e querem também monitorar a especulação nos preços de alimentos, para evitar a recorrência de crises alimentares.

Uma declaração sobre segurança alimentar global continuava sendo negociada ontem em Roma entre o G-8 (os mais ricos e a Rússia), o G-5 (Brasil, China, Índia, México e África do Sul) e alguns países africanos, em meio ao enfrentamento entre exportadores e importadores. Em um documento que envolve o futuro da agricultura global, não havia menção ao termo "subsídios agrícolas". "Tem muito protecionista na mesa", disse um negociador.

Além disso, a Agência para a Agricultura e Alimentação (FAO) das Nações Unidas voltou a alvejar a produção de biocombustíveis como uma das causas do aumento de subnutridos no mundo.

Em documento elaborado com vistas à cúpula do G-8, que começa hoje em Áquila, a FAO diz que pela primeira vez na história humana há mais de um bilhão de pessoas famintas. São 100 milhões a mais desde o ano passado.

Além de procurar garantir segurança alimentar para um bilhão de pessoas famintas, a comunidade internacional precisará quase dobrar a produção de cereais para alimentar a população global, que atingirá mais de 9 bilhões de pessoas em 2050.

Em julho do ano passado, em sua reunião no Japão, o G-8 conclamara os países com estoques alimentares suficientes a distribuir uma parte para os países que tinham necessidade, em meio a uma alta global dos preços agrícolas.

Esta semana, a ideia vai mais longe, para medidas de médio e longo prazo. Começa com a discussão, com outros países, sobre a criação de estoques de alimentos. O Japão, maior importador mundial e que tem financiado a ajuda a países pobres, é um dos maiores defensores. Alguns parlamentares nos EUA já sugerem localização regional de estoques.

A França também tem sido firme na defesa do mecanismo, estimando que ajudará no combate a especuladores nos mercados de commodities. Já o Brasil vê a ideia com desconfiança, achando que os grandes produtores é que podem acabar pagando a conta.

Também a flutuação dos preços em meio à crise financeira é considerada uma ameaça à segurança alimentar. Daí a importância do engajamento dos grupos presentes na Itália para avaliar e monitorar a volatilidade dos preços. A especulação tem sido alvo de fortes críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O foco da ajuda dos países ricos está mudando, passando de ajuda alimentar para assistência financeira à produção agrícola nos países pobres, incluindo a agricultura familiar. A ambição no papel é de as nações desenvolvidas aceitarem se comprometer a elevar a ajuda oficial para a agricultura de 3% da assistência total para 17%. Isso significa passar de US$ 3,6 bilhões para US$ 20 bilhões por ano.

As cifras ontem em discussão ainda variavam. Em todo caso, no encontro de cúpula na FAO sobre crise alimentar, no ano passado, os países ricos prometeram mobilizar US$ 22 bilhões de ajuda para combater a crise alimentar. Mas até hoje só desembolsaram US$ 2 bilhões.

A governança internacional da segurança alimentar está igualmente em discussão, como, por exemplo, se será centralizada num comitê da FAO, em Roma.

O texto em negociação rejeita o protecionismo e defende a conclusão da Rodada Doha de liberalização comercial, mas a retórica é freada e não havia menção aos subsídios agrícolas. Mas para o Brasil, Índia e outros emergentes, barreiras comerciais e subvenções bilionárias dadas pelos países ricos a seus agricultores têm afetado duramente a capacidade de produção nas nações em desenvolvimento nos últimos trinta anos.

A FAO reconhece que no momento a crise não é causada pela falta de alimentos. A produção de alimentos em 2009 será apenas um pouco abaixo do recorde de 2,287 bilhões de toneladas do ano passado. O problema é sobretudo de falta de renda e a sua má distribuição.

Mas alveja a produção de biocombustíveis. Diz que a agricultura se tornou cada vez mais fonte importante de energia e que o potencial de demanda do mercado de energia pode mudar os fundamentos dos sistemas agrícolas.

"Isso já começou a acontecer", diz a agência da ONU, exemplificando que, em 2007, quase 100 milhões de toneladas "foram desviadas" dos mercados de alimentos para a produção de biocombustível. Significa cerca de 5% da utilização mundial de alimentos, mas menos de 0,5% da demanda global de energia, segundo a agência.