Título: Papa critica capitalismo por fracasso ético e pede mais regulamentação
Autor: Dinmore , Guy
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2009, Especial, p. A14

O papa condenou ontem os "graves desvios e insuficiências" do capitalismo, expostos pela crise financeira, e exortou enfaticamente a criação de uma "verdadeira autoridade política mundial" para supervisionar um retorno da ética à economia mundial.

A exortação de Bento XVI em defesa de regulamentação e fiscalização governamentais mais vigorosas consta de sua terceira e ansiosamente aguardada encíclica, "Caridade na Verdade", que o Vaticano decidiu publicar às vésperas da reunião de cúpula do Grupo dos Oito (G-8) que se realiza a partir de hoje na Itália.

O ataque do papa ao capitalismo desmedido e às forças desregulamentadas de mercado veio acompanhado de uma crítica a algumas agências de ajuda internacionais, às quais o pontífice acusou de incentivar abortos e impor métodos contraceptivos. O papa, escolhido em 2005, desencadeou controvérsias em sua primeira visita à África, em março, ao dizer que o uso de preservativos intensifica a crise da Aids.

Embora seja improvável que a defesa pelo pontífice da instituição de uma nova autoridade seja bem recebida pelos chefes de governo do G-8, sua exortação para que a comunidade econômica, em especial os financistas, voltem a centrar-se na ética vai se refletir num comunicado do G-8, a pedido da Itália e da Alemanha, que vai defender empenho por "padrões mundiais" mais robustos e mais coordenados.

Em posição compartilhada com alguns dos membros do G-8 mais favoráveis a regulamentação e fiscalização, o papa não rejeita inteiramente a globalização, mas defende uma implementação mais vigorosa de regras e padrões.

A ênfase de Bento XVI na necessidade de "formas de redistribuição de riqueza" provavelmente também alimentará o debate durante a cúpula - da qual participarão 39 chefes de governo e de instituições internacionais -, sobre o fato de países ricos, especialmente a Itália e a França, não terem honrado compromissos de ajuda anteriormente assumidos.

Observadores que acompanham o Vaticano comentaram que o momento escolhido para a encíclica, a mais importante transmissão de ensinamentos papais sobre questões fundamentais, evidenciou a disposição do papa para intervir diretamente em decisões políticas. Na Itália, o intervencionismo papal vem sendo atacado por secularistas, que veem injustificada interferência em assuntos internos italianos.

Para o papa, a "verdadeira autoridade política mundial" teria de "gerenciar a economia mundial; revitalizar as economias atingidas pela crise; e evitar um agravamento da atual crise e os desequilíbrios mais intensos que resultariam".

A instituição seria "regulamentada por lei" e "necessitaria ser reconhecida universalmente e ser investida de poder efetivo para assegurar a segurança de todos, respeito à justiça e respeito aos direitos".

"A atual cena econômica internacional, marcada por graves desvios e falhas, exige uma maneira profundamente nova de compreender os empreendimentos empresariais", diz o texto. "Acima de tudo, a intenção de fazer o bem não deve ser considerada incompatível com a capacidade efetiva de produzir bens."

"Os financistas precisam redescobrir a base genuinamente ética de sua atividade, de modo a não abusar dos instrumentos sofisticados que podem servir para trair os interesses dos poupadores".

O papa Bento XVI vai se reunir com o presidente dos EUA, Barack Obama, na sexta-feira, após o encerramento do encontro de cúpula, que durará três dias.

A encíclica aborda uma série de outras questões, como migração, terrorismo, ambiente, bioética e energia.