Título: Lei regula trabalho no exterior
Autor: Baeta, Zínia
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2009, Legislação, p. E1

As empresas brasileiras que quiserem enviar funcionários para prestarem serviços no exterior estão obrigadas, desde o início desta semana, a seguir uma série de obrigações que antes não eram claras. Essas regras estão previstas na Lei nº 11.962, publicada na segunda-feira. Para o trabalhador, a regulamentação desses contratos por lei representa, em tese, a garantia do pagamento da maior parte dos benefícios trabalhistas a que teria direito se estivesse no Brasil. Para as empresas, porém, a novidade significa um encarecimento nesse tipo de contratação, pois elas passaram a ficar obrigadas a recolher FGTS e contribuições previdenciárias sobre os contratos, por exemplo - ainda que a legislação do país onde for prestado o serviço não estipule essas obrigações.

Apesar de tratar de um tema extenso, a Lei nº 11.962 possui apenas um artigo, e esse dispositivo determina que devem ser seguidas as normas existentes em uma legislação com mais de 20 anos: a Lei nº 7.064, de 1982. É nessa legislação que estão as obrigações a serem cumpridas por todas as empresas que enviarem empregados ao exterior agora. A lei de 1982 trata da situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, mas abrangia apenas os serviços de engenharia. Agora as garantias legais concedidas a esses profissionais valem para todas as categorias de trabalhadores.

Na década de 80, engenheiros e funcionários de empreiteiras eram a grande maioria dos poucos profissionais brasileiros transferidos para o exterior em razão da demanda de países do Oriente Médio e da África. Como a situação para outras áreas de atuação era ínfima, a lei abarcou apenas essas situações. De acordo com advogados, com a globalização e a expansão das empresas brasileiras para fora do país, as demais categorias ficaram órfãs de uma regulamentação. E como não existia uma regra oficial, as empresas seguiam as orientações da política do próprio grupo em que estavam inseridas - como no caso das multinacionais instaladas no país. O mais comum era a empresa aplicar, por analogia, a lei já existente ou demitir o funcionário e realizar um novo contrato no exterior, nesse caso seguindo as regras do país onde o serviço era prestado.

Essas opções no entanto, sempre poderiam resultar em problemas. Nada impedia que o funcionário, ao retornar ao Brasil, fosse ao Judiciário pedir o pagamento das diferenças dos benefícios trabalhistas pelo período em que esteve fora. E, em muitos casos, com ganho na Justiça do trabalho. "Os contratos vão ficar mais caros, mas não tanto se considerada a segurança jurídica que as empresas terão agora", afirma o advogado Marcelo Pereira Gômara , do escritório TozziniFreire Advogados. De acordo com ele, a jurisprudência sobre a questão é diversa e abarca diversos entendimentos, assim como a doutrina.

A advogada Nancy Tancsik, sócia do contencioso trabalhista da banca Felsberg Advogados, afirma que em muitos casos a Justiça aplicava a lei de 1982, por analogia, para outras categorias. Mas as empresas, por entenderem que a legislação onerava os contratos, preferiam correr o risco de uma ação judicial. Quanto à transferência provisória do empregado, o advogado Rui Meier, responsável pelo núcleo trabalhista do escritório Tostes e Associados Advogados, afirma que o entendimento da jurisprudência é o de que a lei a ser aplicada é a do Brasil. Mas para outras situações há inúmeras controvérsias. "Na transferência definitiva, sem previsão de retorno, há quem entenda que a lei é a do ultimo país onde trabalhou; há também quem defenda que seja a norma brasileira e ainda que se aplique a norma que for mais benéfica para o trabalhador", afirma Meier.

O sócio do escritório Zangari Advogados e professor de direito do trabalho da PUC de São Paulo, Jurandir Zangari Junior, afirma que a mudança, ao menos, traz um norte para as empresas, pois no caso das contribuições à Previdência Social e ao FGTS a lei é expressa ao estabelecer que o pagamento deve ser realizado no Brasil - o que agora deverá ser seguido por todos os empreendimentos que realizam contratos dessa natureza, sob o risco de autuações do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com a medida, também termina a possibilidade de os empregadores alegarem na Justiça que não existiam regras para essas situações e que a norma a ser aplicada seria a do país onde o serviço era prestado, pelo menos em questões previdenciárias e relacionadas ao FGTS.

O advogado afirma, no entanto, que a legislação, por seguir um texto editado em 1982, não soluciona as novas situações surgidas com a globalização. E muito menos questões regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como férias e 13º salário.

Além do recolhimento do FGTS e das contribuições ao INSS, a lei prevê o pagamento de passagens para o empregado passar férias no Brasil, se assim quiser, após dois anos de trabalho fora do país. E regulamenta a forma do contrato salarial, no qual devem ser fixados os valores do salário-base e do adicional de transferência. Para o advogado Marcelo Gômara, os encargos trabalhistas deverão incidir apenas sobre o salário-base. Mas a questão é controversa e há quem defenda que valeria sobre todo o valor recebido pelo empregado. E mais uma vez, a questão será decidida pelo Judiciário.