Título: O setor de fundos de hedge 2.0
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2009, Opinião, p. A9

Os dias em que entregávamos o nosso dinheiro aos gerentes, e depois perdíamos toda a influência sobre ele, acabaram

Há sinais de vida retornando ao setor de fundos de hedge. Cresce o volume de ativos sob gestão. Novos fundos estão sendo lançados. Alguns até estão ganhando dinheiro. Relatos sobre o fim dos fundos de hedge são exagerados, mesmo que este não seja o momento apropriado para elevar os preços nos restaurantes sofisticados de Mayfair, ou de entrar no setor de decoração de interiores no Hamptons. O segmento subsistirá como uma parte importante do universo financeiro.

Seria absurdo imaginar que as coisas retornarão ao que eram antes de os mercados desabarem em 2008. O Setor de Fundos de Hedge 2.0 - como se diria no jargão de informática - será muito diferente do Setor de Fundos de Hedge 1.0. Será menos misterioso; os investidores deterão mais controle; ocupará o espaço vazio deixado pelos bancos de investimento; e haverá menos fundos, mas muito maiores. Neste momento, há evidências de sobra de que os investidores estariam dispostos a aplicar dinheiro nos fundos outra vez.

Cerca de 150 novos fundos foram lançados de janeiro a março, de acordo com estatísticas compiladas pelo Hedge Fund Research. Alguns deles são bem grandes. O Roc Capital Management, iniciado por Arvind Raghunathan, captou US$ 1 bilhão.

Os ativos também estão em alta. O Barclays prognosticou, em relatório recente, que ativos administrados por fundos de hedge aumentarão em mais de 8% neste ano, uma vez que grande parte da riqueza mantida em espécie durante o colapso de 2008 retornou aos mercados.

E os fundos estão ganhando algum dinheiro. O retorno médio em maio em todas as categorias de fundo foi de 5,2%, de acordo com o Hedge Fund Research. Com números a seu favor, os fundos podem se sentir confiantes em se lançarem aos negócios mais uma vez.

Mesmo assim, o setor pós-desastre parecerá muito diferente. Ele mudará de quatro formas importantes.

Primeiro, haverá menos mistério. Seria injusto colocar os fundos de hedge na categoria do fraudador Bernard Madoff - mas, alto lá, ninguém jamais afirmou que o setor era justo. Vigorava um estilo de comercialização de fundos de hedge que podia ser perfeitamente descrito como "Madoffesco". Ele dizia basicamente: "Entregue o seu dinheiro a esse cara incrivelmente inteligente e bem conectado e ele fará uma fortuna para você". Ele acrescentava um toque de classe social, insinuando que o mero fato de investir elevaria a posição da pessoa em um grau na escala social.

Muitos fundos de hedge usavam exatamente estas técnicas: criaram um ar de mistério sedutor para captar dinheiro. Na era pós-Madoff, isso não funcionará mais. Os fundos de hedge precisarão revelar exatamente em que estão investindo, quais estratégias estão adotando e como estão gerando os seus retornos. O setor precisará identificar uma forma completamente nova - e menos emocionalmente manipuladora - de se vender.

Segundo, os investidores estão a ponto de assumir controle. Reguladores por todo o mundo proporão dezenas de novas normas para o setor. Essas provavelmente serão evitadas. Sempre haverá uma ilha, um paraíso fiscal em algum lugar do mundo, pronta para oferecer à indústria um regime de regulamentação mínima.

Mesmo que consigam se furtar aos reguladores, não poderão escapar dos seus investidores, que estão bem conscientes da fraude praticada durante os anos de prosperidade. Eles lembrarão a forma como muitos fundos fecharam as suas portas a resgates assim que a situação azedou. Eles deverão exigir padrões mais elevados de controle para os investidores. Os dias em que entregávamos o nosso dinheiro aos gerentes, e depois perdíamos toda a influência sobre ele, acabaram. No médio prazo, isso provocará mais mudanças do que qualquer nova regulamentação.

Terceiro, eles estão na iminência de invadir o espaço ocupado pelos bancos de investimento. Após a quebra do Lehman Brothers Holdings, há menos bancos de investimento. Os que restaram têm menos dinheiro e serão muito mais cuidadosos com a forma como o gastam. Não haverá, porém, nenhuma demanda menor por capital de risco. Desde mercados emergentes, passando pelos novos setores, até novos tipos de instrumentos financeiros, haverá uma grande quantidade de pessoas demandando fundos. À medida que os bancos tradicionais recuam, vão deixando um espaço no mercado que os fundos de hedge poderão ocupar.

Por último, não haverá tantos fundos disponíveis. Os dias quando qualquer operador de 30 e poucos anos, com uns poucos anos de experiência em Londres ou Nova York, podia reaparecer como um empreendedor de fundos de hedge e levantar alguns milhões acabaram.

"O setor de fundos de hedge ressurgirá da crise financeira como um segmento menor em termos do número de fundos, mas, com o tempo, muito maior em termos de ativos sob gestão", disse o State Street, em relatório, no mês passado.

Com toda a razão. Quanto maiores forem o nível de supervisão reguladora, as demandas dos investidores e a necessidade de estratégias mais sofisticadas, mais elevado será o custo de se administrar um fundo. Não haverá muito espaço para empresas de "dois sujeitos com um BlackBerry". Em vez disso, haverá algumas firmas, bem administradas.

A internet sobreviveu à crise das pontocom e se transformou numa enorme indústria. Mas ocorreu uma grande mudança entre a Web 1.0 e a Web 2.0. Os fundos de hedge poderão usar o mesmo expediente, mas o Setor de Fundos de Hedge 2.0 será um bicho completamente novo.