Título: Investidor na contramão
Autor: Bellotto , Alessandra
Fonte: Valor Econômico, 10/07/2009, EU & Investimentos, p. D1

A captação líquida dos fundos de previdência aberta, que recebem aplicações de planos PGBL e VGBL, atingiu R$ 6,9 bilhões no primeiro semestre, aponta pesquisa realizada pelas consultorias NetQuant e Towers Perrin. O volume é 9% maior que o registrado no mesmo período do ano passado. O setor manteve o crescimento apesar da crise - o patrimônio líquido dos fundos aumentou 12,2% entre janeiro e junho, para R$ 122,9 bilhões -, mas chama a atenção a mudança no perfil de alocação de recursos do investidor, saindo dos fundos com ações para a renda fixa.

Neste ano, a captação do setor foi puxada pelos fundos 100% renda fixa, incluindo os multimercados sem renda variável, com R$ 7,15 bilhões de entradas líquidas, ou seja, já descontados os saques. As carteiras que aplicam uma parcela dos recursos em ações, ao contrário, registraram resgates de R$ 154,07 milhões. Na primeira metade de 2008, foram os fundos com renda variável que lideraram a captação, que somou R$ 7,14 bilhões. As carteiras de renda fixa na ocasião tiveram saídas de R$ 726,36 bilhões. Os últimos dados mensais, contudo, mostram certa recuperação dos planos com ações.

"O indivíduo olhou o passado, viu os efeitos da crise nos mercados e fugiu de ações", afirma o sócio-diretor da NetQuant, Marcelo Nazareth. Segundo o consultor, quem tem algum apetite para risco optou pelos multimercados sem renda variável, que abocanharam R$ 2,6 bilhões dos R$ 7,15 bilhões captados nas estratégias conservadoras. A diferença foi para os fundos classificados especificamente como renda fixa. "Os números mostram a necessidade de se investir na educação financeira dos participantes", destaca Nazareth. Na visão do consultor, o horizonte de quem está na previdência deveria ser de mais longo prazo.

A estratégia permitiria não perder a recuperação dos mercados, como a que marcou o semestre, ou aproveitar as oportunidades que surgem após períodos de forte turbulência. Quem continuou apostando nos planos com ações ao longo deste ano obteve ganhos mais polpudos. No semestre, aponta o levantamento, o destaque ficou com os fundos de previdência com até 49% em ações, que renderam 14,55%. As carteiras com até 30% em renda variável registraram ganhos de 10,47% e as com até 15%, 7,60%. Nos conservadores, os fundos de renda fixa tiveram retorno de 4,88% e os multimercados sem renda variável, de 4,88%.

"O investidor não previu a melhora do mercado e o curioso será acompanhar seu comportamento ao longo deste semestre", afirma Nazareth. Vale ressaltar que o mundo vivencia a maior crise financeira da história desde 1929, o que torna a reação do investidor completamente natural. "As teorias econômicas mais modernas mostram que as pessoas tomam suas decisões levadas 100% pelo ambiente que as cerca", destaca o diretor de produtos da Icatu Hartford, Luciano Snel. O curto prazo, continua, acaba prevalecendo.

A crise provocou um grande trauma nas pessoas, que preferiram não arriscar até que o cenário ficasse mais claro, pondera o diretor-geral da Bradesco Vida e Previdência, Lúcio Flávio de Oliveira. "O investidor voltou para o porto seguro da renda fixa." Esse comportamento, no entanto, não deve durar muito. A queda de juros vai acabar forçando o investidor a reavaliar seu planejamento de longo prazo, afirma Snel, da Icatu. Para ele, com mais de 90% dos recursos de previdência em renda fixa, a busca por aplicações com retorno maior para compensar a queda de juros é uma questão de tempo.

Com a taxa básica na marca histórica de um dígito, os planos para a aposentadoria têm de ser revistos. São três as opções, segundo Snel, para que o investidor consiga acumular o valor que ele projetava: rever o fundo em que estava aplicado em busca de retorno maior, aumentar o valor das contribuições ou ainda adiar a aposentadoria. "Todo o planejamento deveria ser reavaliado pelo menos uma vez por ano, mas o lado bom dos choques é que as pessoas veem a urgência de repensar suas decisões", avalia o executivo da Icatu.

Na visão de Oliveira, da Bradesco, a volta para aplicações mais arrojadas é uma tendência inexorável. "Num cenário de juro baixo, o investidor vai precisar arriscar mais para ter uma aposentadoria melhor", afirma. Ele ressalta, no entanto, que nem todo mundo tem o mesmo apetite para risco. A grande fuga dos fundos com ações durante a crise serviu para mostrar que muita gente estava na aplicação errada, diz Oliveira.

A Bradesco, assim como todo o setor, se movimenta para identificar o perfil do cliente e só então oferecer o plano que melhor se encaixa nas suas necessidades, reforçando a característica de longo prazo da previdência. "Não adianta oferecer renda variável para quem não tem apetite para risco."

Desde o fim do ano passado, a Bradesco vem treinando os cerca de 4.500 corretores de previdência espalhados pelas agências do banco - cadastrados, a seguradora conta com 10 mil profissionais. "Entendemos que precisamos melhorar nosso índice de retenção e só vamos conseguir isso com a venda qualificada ", diz Oliveira. A Bradesco Vida e Previdência, apesar de ser a maior do setor - só o patrimônio dos fundos atrelados aos planos PGBL e VGBL somava R$ 41 bilhões em junho -, vem enfrentando grande concorrência.

No ranking de captação líquida do semestre, elaborado pela NetQuant em parceria com a Towers Perrin, é a Brasilprev que lidera, com R$ 2,119 bilhões do volume registrado no semestre. Em seguida, está a ItaúPrev Vida e Previdência, com R$ 2,113 bilhões. A Unibanco Seguradora aparece na lista, na 12ª posição, com R$ 33 milhões, volume suficiente para colocar a seguradora do grupo Itaú Unibanco à frente. A empresa está adotando a marca Unibanco. A Caixa Vida e Previdência vem na terceira posição, com R$ 953,4 milhões de captação líquida no semestre, seguida pela Bradesco, com R$ 874,9 milhões.

Nazareth, da NetQuant, lembra que a Bradesco já tem um volume grande de reservas, assim como uma base de clientes mais difícil de ser expandida. Oliveira, da Bradesco, acrescenta que a seguradora ainda tem um volume forte de captação em planos tradicionais, que não aparecem nas estatísticas, além de mais participantes próximos da aposentadoria, o que contribui para elevar os resgate.

A queda de juros também deve deixar a competição no setor mais acirrada tanto entre as empresas quanto com outras aplicações, como a poupança, uma vez que o custo associado à previdência passa a ter um peso relevante para a acumulação de recursos. "O incentivo fiscal é o que faz com que o setor continue crescendo, mas as taxas, especialmente de administração, devem ter um aperto", acredita Nazareth. Snel, da Icatu, afirma que o setor, que já alcançou escala suficiente (mais de R$ 100 bilhões em reservas de PGBL e VGBL), vem reduzindo os custos. "O juro deve acelerar essa tendência, mas o investidor tem de fazer seu papel de analisar os planos", diz. "A pesquisa é relevante até porque, no longo prazo, o montante pode superar até o valor da casa onde ele mora."