Título: Congresso perdeu conexão com a opinião pública
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2009, Opinião, p. A12

Há exatos 16 anos a CPI dos Anões do Orçamento promoveu uma faxina no Congresso, até então inédita, que parecia o prenúncio de novos tempos para o Legislativo. Naquela época, acusados de manipular verbas públicas, 18 congressistas foram julgados por seus colegas, sendo que seis deles tiveram o mandato cassado - inclusive o presidente da Câmara - e quatro renunciaram. Nenhum dos 18 voltou ao Legislativo na eleição seguinte.

Em 2005, a CPI do Mensalão foi um divisor de águas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que se refletiu de maneira sombria sobre o Congresso. A partir de então, a casa do povo parece ter perdido de vez qualquer conexão com a opinião pública e o murmulho das ruas.

À época, até um argumento oportunista foi bordado na tentativa de confundir e justificar ações condenadas pela sociedade, segundo o qual haveria uma "opinião pública" e uma "opinião publicada", sendo que a segunda refletia nada mais do que a opinião de meia dúzia de intelectuais ditos da elite.

Na gênese do Mensalão, a Câmara chegou a cassar três deputados, mas logo em seguida desencadeou um festival de 12 absolvições (quatro renunciaram), sem se importar com o fato de que, a cada uma delas, crescia o sentimento de impunidade na sociedade - publicada ou não.

Houve época em que até um presidente do Senado, Jader Barbalho, teve de renunciar ao mandato diante do que dizia "a voz rouca das ruas", para usar uma feliz expressão cunhada pelo ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

Jader não dispunha de outra saída. Já na restauração do regime civil um presidente da República, Fernando Collor de Mello, fora defenestrado do Palácio do Planalto por "caras-pintadas" - lhe faltara apoio político, é certo, mas sobretudo decoro no exercício do primeiro governo eleito diretamente pelo povo, após 21 anos de ditadura militar.

Nesse período, a sociedade por certo não se tornou menos tolerante em matéria de ética. Mas os políticos definitivamente passaram a olhar só para o próprio umbigo e a fazer de conta que realmente a "opinião publicada" difere do que se passa na "opinião pública".

O processo de cassação do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) foi o que se costuma chamar de "emblemático". História clássica, cujo roteiro misturou poder, dinheiro e sexo, mas acabou na absolvição do personagem principal.

O caso do deputado Edmar Moreira surpreende menos pelo fato de ele ter construído um castelo em terras mineiras, avaliado em mais de R$ 20 milhões, que pelo fato de ter sido eleito, por seus pares, corregedor da Câmara. O resultado não poderia mesmo ser diferente: Moreira foi absolvido da acusação de quebra de decoro no Conselho de Ética.

Enquadra-se no mesmo padrão a nomeação secreta dos parentes do presidente do Senado, José Sarney. Agora descobre-se que a fundação responsável pela memória do ex-presidente da República recebeu dinheiro da Petrobras - o que é legal - que acabou desviado para cofres particulares.

Indiferente às opiniões pública e publicada, Sarney limita-se a explicar que nada tem a ver com a fundação. Nada muito "sinistro", como diriam os jovens de hoje, quando o próprio presidente da República já considerou o caixa dois, em campanhas eleitorais, prática usual dos partidos políticos brasileiros.

Diante de um histórico como esse, não é de estranhar que os deputados votassem uma minirreforma eleitoral, semana passada, que atende menos ao interesse do eleitor e mais a seus autores: os 513 deputados federais legislaram em causa própria e trataram de amordaçar a voz de quem, bem ou mal, nos últimos tempos, tem tentado moralizar as eleições no país.

Sem acordo para votar a reforma política, que todos julgam necessária, os deputados se limitaram a costurar remendos à legislação que beneficiam os partidos, facilitam candidaturas e restringem a ação saneadora da Justiça Eleitoral. A nova lei precisa ainda ser referendada pelo Senado. É preciso muito ainda para que os senadores obtenham a redenção - melhorar o projeto da Câmara é só uma penitência.