Título: A devastação na guerra eleitoral
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 06/06/2010, Política, p. 2

Política ambiental para Amazônia é questionada por esquecer outros biomas. Reduzir destruição será desafio para o próximo presidente

A decisão política do atual governo de perseguir a redução do desmatamento da Amazônia, o maior e mais importante bioma brasileiro, custou o esquecimento e o avanço da devastação nos outros biomas que compõem a biodiversidade nacional. Até o ano passado, União e estados não sabiam a extensão das perdas, no cerrado e na caatinga, o que começou a mudar ¿ tardiamente ¿ com o monitoramento via satélite da destruição nos dois biomas, a exemplo do que é feito na Amazônia desde 1988.

Entretanto, permanece na promessa a divulgação dos primeiros dados oficiais atualizados sobre as perdas na Mata Atlântica, no Pantanal e nos Pampas gaúchos. O foco quase exclusivo no território amazônico gerou críticas à então ministra do Meio Ambiente, a senadora Marina Silva (PV-AC), e gera expectativa sobre qual será a postura dos candidatos à Presidência. Ao criticar o discurso do atual governo, o tucano José Serra deve, numa só tacada, atacar Marina e a petista Dilma Rousseff.

¿O governo Lula deixa muito a desejar na questão ambiental. A atuação se faz de uma forma muito localizada, sem uma estratégia maior¿, critica o deputado federal oposicionista Arnaldo Jardim (PPS-SP), titular da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas. O parlamentar ressalta a necessidade de uma política de desenvolvimento sustentável para a Amazônia e maior atenção a biomas como o da caatinga e do pantanal.

Levantamento do Correio mostra que a redução do desmatamento da Amazônia implicou na devastação dos outros biomas, que passaram a abrigar a expansão da pecuária e das novas fronteiras agrícolas. Entidades do terceiro setor que atuam na defesa ambiental reforçam que a demora para fazer o monitoramento de todos os biomas brasileiros é ¿conveniente¿ ao governo, uma vez que se alia a expansão agropecuária à redução do desmatamento da Amazônia.

Entre 2002 e 2009, a perda de vegetação amazônica caiu mais de 65%, conforme os levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Ainda assim, a Amazônia encolheu 131,4 mil km2 entre 2002 e 2008: a devastação equivale a quase 23 áreas do tamanho do Distrito Federal. No mesmo período, o desmatamento consumiu 115,3 mil km2 no cerrado, na caatinga, na Mata Atlântica e no Pantanal.

A prioridade na área ambiental do governo Lula, ao longo dos sete anos transcorridos até agora, foi a redução do desmatamento da Amazônia. O governo obteve êxito na iniciativa, apesar de as perdas elevadas persistirem. Marina Silva esteve à frente desse projeto ¿ ela foi ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008 ¿ e comprou as principais brigas em sua gestão em razão desse objetivo.

A saída de Marina Silva despertou críticas. ¿Nós monitorávamos apenas a Amazônia¿, afirmou o então ministro Carlos Minc, substituto de Marina, um ano após assumir a pasta, em maio de 2009. A sucessora de Minc, Izabella Teixeira, declarou ao Correio, em entrevista publicada em 1º de maio, que Marina ¿trouxe muito de uma regionalização para a Amazônia¿. ¿As questões ambientais no Brasil, muitas vezes, são tratadas só a partir da Amazônia. Todos nós sabemos que não são limitadas a apenas isso¿, disse a ministra.

ONGS PREENCHEM LACUNAS » A ausência do Estado no monitoramento dos biomas brasileiros é parcialmente preenchida por centros de pesquisa e por entidades do terceiro setor, como a S.O.S Mata Atlântica. Desde 1985, a organização não governamental (ONG) acompanha a evolução do desmatamento do bioma, o mais devastado do país. Restam apenas 7% de Mata Atlântica. E as perdas continuam. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) prepara a divulgação de dados oficiais sobre o bioma, o Pantanal e os pampas gaúchos. O monitoramento do cerrado e da caatinga já foi divulgado. Mata Atlântica e Pantanal, conforme levantamentos de ONGs, perderam 4,7 mil quilômetros quadrados de vegetação entre 2002 e 2008. (VS)

Conflito ministerial

A histórica briga entre os ministérios que representam o setor produtivo ¿ da Agricultura e de Minas e Energia, principalmente ¿ e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem como zona de conforto a aceitação da expansão das fronteiras agrícolas, da exploração da mineração e de novas fontes de energia fora dos limites da Amazônia, mais precisamente no cerrado e na caatinga. ¿Há uma disfunção histórica dentro dos governos federal e estaduais: o cerrado, por exemplo, ainda é visto como área de expansão agrícola¿, afirma o diretor do Programa Cerrado Pantanal da Conservação Internacional, Valmir Gabriel Ortega. ¿É muito comum ouvir que essas áreas existem no cerrado, e não na Amazônia¿, diz o diretor da organização não governamental (ONG).

Para Valmir, a prioridade à Amazônia se justifica pela importância estratégica do bioma, pela extensão do território amazônico (que ocupa metade do país), pelas dificuldades logísticas e pela ¿enorme pressão¿ das sociedades brasileira e internacional.

Emissões de CO2 Pela primeira vez, o governo brasileiro incluiu um bioma diferente da Amazônia nas metas de redução de emissão de CO2, a partir da diminuição do desmatamento ¿ é essa a principal fonte de emissão brasileira, a que mais contribui para os efeitos do aquecimento global. Até 2020, para reduzir as emissões de CO2 em 38,9%, o desmatamento da Amazônia deverá cair 80%, e o do cerrado, 40%, conforme as metas definidas pelo governo. (VS)