Título: Não votei para eleger o presidente do Senado", diz Lula
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 31/07/2009, Política, p. A5
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abandonou ontem a defesa do senador José Sarney (PMDB-AP), ao dizer que a permanência do aliado no comando do Senado não é um problema seu. "Eu não votei para eleger o presidente Sarney presidente do Senado. Nem votei para ele ser senador do Maranhão [na verdade, Sarney foi eleito pelo Amapá], nem votei para o [Michel] Temer [presidente da Câmara], nem votei para o Arthur Virgílio [líder do PSDB no Senado], não votei para ninguém. Eu votei para os senadores de São Paulo. Somente o Senado, que o elegeu, pode dizer se ele vai ficar ou não. Não sou eu", disse Lula, depois do Encontro Empresarial Brasil-Chile na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ao lado da presidente do Chile, Michelle Bachelet.
Desde que as denúncias contra Sarney tomaram conta do noticiário, foi a primeira vez em que Lula indicou mais claramente que pretende se distanciar de Sarney. Na terça-feira, ao comentar a crise na Casa, Lula havia comentado a situação de modo genérico, declarando que "o Senado em que ter maioridade para resolver o seu problema. O que não pode é deixar a coisa esticar, esticar, porque, a cada dia, se você vê uma novidade, por menor que ela seja no jornal, cria desgaste da instituição". Ontem, foi mais taxativo, ao dizer que a permanência de Sarney não lhe diz respeito.
É uma mudança significativa em relação à estratégia empregada a partir de meados do mês passado. Em 17 de junho, por exemplo, Lula chegou a afirmar que "Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum". Em 23 de julho, o presidente também apoiou o senador: "É preciso saber o tamanho do crime. Uma coisa é você matar, outra coisa é você roubar, outra coisa é você pedir emprego, e outra é fazer lobby."
Ontem, o presidente preferiu ressaltar que a crise do Senado deve ser resolvida pelos senadores. "No Brasil, o Senado e a Câmara têm autonomia com relação ao Poder Executivo. Tudo o que eu espero é que o Congresso agora, com a cabeça fria, dez dias de férias para todo mundo, volte, se reúna, como homens adultos que são, todos com mais de 35 anos de idade, e decidam normalizar a atuação do Senado. Mais do que isso não posso pedir nem ao Senado, nem à Câmara, nem ao Judiciário, porque são poderes autônomos."
Lula destacou ainda que há medidas enviadas ao Congresso para combater a crise econômica "que ainda estão por ser votadas". "Espero que os senadores se acertem e que passem a fazer o debate político que precisa ser feito e a votar as coisas que precisam ser votadas, só isso."
Lula negou ainda que tenha uma reunião marcada com Sarney. "Não há nenhum pedido de conversa com o presidente Sarney. O presidente Sarney e o presidente da Câmara conversam comigo na hora em que eles pedirem porque é de boa política o presidente da República atender os presidentes dos Poderes."
Questionado se pretendia "comprar briga com o PT", que se inclina pelo afastamento de Sarney, Lula se esquivou: "Como é que você acha que eu posso dizer sobre o destino da bancada do PT se eles estão de férias e vão voltar na segunda-feira? Não posso dizer absolutamente nada. Você faz o seguinte: quando chegar segunda-feira, você liga para o líder do PT na Câmara ou liga para a líder do PT no Congresso e eles saberão te dizer, com categoria, o que já fizeram", disse Lula, acrescentando que faz três anos que não participa de reunião do diretório do partido.
Lula comentou também a possibilidade de que uma base militar americana seja instalada na Colômbia. "Eu posso dizer que a mim não me agrada mais uma base americana na Colômbia", afirmou, fazendo uma ressalva: "Como eu não gostaria que o [Álvaro] Uribe [presidente da Colômbia] desse palpite nas coisas que eu faço no Brasil, eu prefiro não dar palpite nas coisas do Uribe". Lula disse ainda que ele e Bachelet concordam que a "soberania de um país é intocável", mas que a próxima reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em 10 de agosto, é um lugar adequado para ter um "diálogo livre e aberto" sobre o assunto.
O presidente também afirmou que em algum momento será necessário conversar com o presidente dos EUA, Barack Obama. Ele lembrou que uma carta já fora enviada ao então presidente George W. Bush, tratando da reativação da Quarta Frota americana, criada depois da Segunda Guerra Mundial para monitorar o Atlântico Sul e inativa desde a década de 50. "Mandamos uma carta dizendo que nós não víamos com bons olhos a ideia da Quarta Frota, porque me parece que a linha territorial dela é quase em cima no nosso pré-sal. Essas coisas nós temos que ver com muito cuidado para não gerar conflito nem com o Uribe, nem com os Estados Unidos, nem com os vizinhos."
Bachelet disse concordar integralmente com Lula sobre a base militar na Colômbia, considerando que a reunião da Unasul será oportuna para discutir o assunto com "franqueza". Segundo ela, "certamente" há países na região "inquietos" com a situação. Os dois presidentes aproveitaram para criticar o golpe em Honduras, pedindo a volta do presidente Manuel Zelaya.
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