Título: Lula prepara plano para salvar Celg
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2009, Empresas, p. B1

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu socorrer a Celg, distribuidora de energia elétrica de Goiás, apesar das seguidas denúncias de irregularidades - como superfaturamento e contratos fraudulentos - e má gestão feitas pelo Ministério Público Estadual (MPE) e pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) contra a empresa. Com dívidas de R$ 5,7 bilhões, a Celg respira por aparelhos e desde setembro de 2006 não pode sequer aplicar os reajustes tarifários autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por causa da situação de contínua inadimplência.

A salvação selará um importante acordo político de Lula com o governador Alcides Rodrigues (PP) e deverá viabilizar a formação de uma aliança contra o ex-governador e senador Marconi Perillo (PSDB), que pretende voltar ao cargo em 2010. Foi na gestão de Perillo que as contas da empresa se agravaram. A dívida da Celg aumentou de tal forma que já totaliza mais de R$ 1 mil por cada habitante do Estado.

O governo de Goiás esperava uma solução para hoje, dia de visita do presidente a Goiânia, mas a versão final do pacote de socorro atrasou e será definida apenas nas próximas duas semanas. Poderá envolver um empréstimo de R$ 1,3 bilhão do BNDES ao governo estadual, que vai direcionar os recursos ao saneamento da distribuidora, e a troca de uma dívida perto de R$ 220 milhões com a Eletrobrás por participação acionária. Uma das indefinições diz respeito ao grau de participação da Eletrobrás, que está estudando o assunto sob o "interesse empresarial", segundo uma fonte.

Na realidade, a Celg tem uma dívida de R$ 1,1 bilhão vencida com a Eletrobrás e outros R$ 900 milhões a vencer, que estão sendo pagos atualmente, após uma repactuação. Esse dinheiro é recolhido pela estatal da União, mas não é dinheiro dela - são encargos como CCC, RGR, CDE e Proinfa ou pagamentos da cota da hidrelétrica de Itaipu. Ao caixa da Eletrobrás, de fato, pertence apenas o crédito de R$ 220 milhões. É isso, portanto, que deverá ser transformado em ações.

O governador Alcides Rodrigues rejeita a federalização da Celg, segundo um interlocutor próximo. Uma saída estudada é manter o Estado como controlador da distribuidora e deixar a Eletrobrás com uma participação minoritária, mas entregando a ela a diretoria financeira, mais importante da empresa. O acordo passará pela mesa de Lula, disseram fontes do governo federal.

Como está inadimplente, a Celg não pode aplicar os reajustes dados anualmente pela Aneel. Por isso, congelada desde setembro de 2006, suas tarifas residenciais são a 10ª mais baixa entre as 64 distribuidoras brasileiras. Em junho, a agência autorizou reajuste de 10,5%, mas ele ficou só no papel. A falta de investimento leva a indicadores operacionais que figuram entre os piores do país. Segundo a Aneel, a incidência na Celg de cortes no fornecimento de luz e a duração das interrupções são, respectivamente, três vezes e meia e duas vezes maior que os indicadores da Eletropaulo - distribuidora paulista com o mesmo valor das tarifas residenciais que a empresa goiana, de R$ 0,29/kWh.

Fontes do Ministério de Minas e Energia envolvidos nas negociações rejeitam a ideia de que o socorro federal equivale a injetar dinheiro em uma empresa sem conserto. Técnicos da pasta informaram que a volta à adimplência e a consequente aplicação dos reajustes congelados renderão à Celg quase R$ 400 milhões por ano. Eles argumentam que o aumento do fluxo de caixa e as características do mercado local podem garantir o retorno da lucratividade. "O grande problema é na gestão do custeio, mas vemos um bom mercado para a Celg", assinala um negociador.

O Ministério Público já moveu cinco ações de improbidade administrativa contra ex-diretores da distribuidora. Três delas envolvem contratos com escritórios de advocacia no valor de R$ 44 milhões. Há investigações em andamento sobre gastos com publicidade e empréstimos tomados com juros de 275%. "A Celg é uma empresa estatal, mas não pública. Ninguém nunca abriu a sua caixa-preta e já passou da hora de fazer isso", afirma o promotor Fernando Krebs.

A oposição na Assembleia Legislativa fala de uma CPI da Celg e deputados já receberam denúncias de uso do caixa da empresa para a compra de carros para autoridades do Estado. O TCE também anunciou recentemente a realização de onze auditorias para verificar a situação de mão de obra terceirizada.

Para complicar ainda mais a situação, a Celg sofreu uma derrota inédita nos tribunais, para concessionárias de serviços públicos. Pela primeira vez, em maio, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a terceirização é irregular no caso de funcionários contratados para desempenhar "atividades-fim" de concessionárias - como o pessoal técnico que instala e faz manutenção das redes de cabos.

O caso da Celg foi o primeiro a chegar à última instância da Justiça do Trabalho e deverá ser aplicada a outras distribuidoras e concessionárias de telecomunicações, à medida que as ações chegarem ao TST. Mas, para a empresa goiana, tem efeitos imediatos. O tribunal deu prazo de seis meses para a substituição dos terceirizados. Como é estatal, a empresa precisará abrir concursos públicos para contratar eletricitários e realizar treinamento, além de comprar equipamentos por licitação e rescindir contratos com empresas terceirizadas.