Título: Eletrobrás ganha em parte disputa sobre compulsório
Autor: Carvalho , Luiza
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2009, Legislação, p. E1

Após quase quatro horas de exaustiva discussão, os ministros da 1ªSeção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram a conturbada disputa que trata da correção dos empréstimos compulsórios da Eletrobrás. O empréstimo que favorecia a estatal foi cobrado dos grandes consumidores de energia - empresas com contas mensais superiores a 2 mil quilowatts - entre 1973 e 1993. Com o plenário lotado - por falta de assento, muitos assistiram o julgamento de pé - , a corte julgou os recursos das empresas Máquinas Condor e da Calçados Glória, e decidiu que as empresas têm direito à correção pleiteada, porém, somente ao perído entre 1987 e 1993. Essa limitação fez com que os dois lados pudessem ser parcialmente vitoriosos no julgamento

A assessoria jurídica da Eletrobrás afirma que se a empresa tivesse que arcar com a correção monetária desde 1977 - período discutido no julgamento - teria que desembolsar R$ 10 bilhões referentes às ações judiciais em andamento. Agora, com a decisão, a estatal deve restituir aos contribuintes R$ 1,3 bilhões, valor que conforme a estatal já está provisionado.

O compulsório já foi pago pela Eletrobrás. O que foi realizado em três parcelas e cujos valores foram convertidos em ações da estatal. A primeira parcela foi quitada em 1988, referente ao período de 1977 a 1984. A segunda assembléia da empresa realizada para discutir a restituição dos créditos ocorreu em 1990 - referentes ao emprétimo dos anos de 1985 e 1986. A última conversão em ações foi em 2005 e devolveu às empresas os créditos do período de 1986 a 1993. A reclamação dos contribuintes é que a correção efetuada pela estadual foi menor do que o devida. A Eletrobrás argumenta que a norma que instituiu o empréstimo compulsório - o Decreto Lei nº 1.512, de 1976 - não obrigava que a correção fosse da forma pretendida pelas empresas.

Apesar de ser esse o tema central da discussão, a questão crucial dos debates passou a ser o prazo que os contribuintes teriam para ajuizar as ações de cobrança. A Eletrobrás argumentou que o direito de ação de cinco anos dos contribuintes estava prescrito desde 1999, pois o último ano de pagamento de juros dos créditos ocorreu em 1994. Se esse argumento fosse aceito, não adiantaria discutir-se o mérito da ação, pois estariam prescritas, já que a maioria foi ajuizada a partir de 2000.

A discussão estava com o andamento suspenso por um pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves. A ministra Eliana Calmon, relatora do recurso, havia votado no sentido de que o prazo prescricional só pode ser contado a partir do momento em que o crédito foi restituído, ou seja, somente nas três assembleias realizadas pela estatal, quando o consumidor teve a ciência de que os créditos de fato não foram corrigidos pela inflação. Para a ministra, antes disso, apesar de os juros serem pagos periodicamente, o contribuinte tinha apenas uma mera expectativa de direito. Como já decorreram mais de cinco anos da realização das duas primeiras assembleias, apenas a correção aplicada em 2005 poderia ser questionada. "A correção dos valores pagos na terceira conversão em ações é o que está valendo, estão excluídas as assembleias anteriores", afirmou a ministra, cujo entendimento foi seguido pelo ministro Teori Zavascki.

Ao apresentar seu voto de vista, o ministro Benedito Gonçalves divergiu dos dois votos apresentados até então, e apresentou uma solução bem mais favorável à Eletrobrás. Para o ministro, o termo inicial da prescrição deve levar em conta o momento em que ocorreu o pagamento a menor, e não aquele em que o contribuinte teve ciência, pois, segundo o ministro, houve uma inércia do consumidor em não propor uma ação judicial ante o fato de receber, a cada ano, os juros sem a atualização monetária desejada. O entendimento foi acompanhado pelo ministro Francisco Falcão, Humberto Martins e ministro Mauro Campbell. "O empréstimo foi feito a empresas de médio e grande porte, grandes consumidores de energia, e é descabido dizer que essas empresas não possuíam uma assessoria jurídica para perceber que não houve correção no pagamento anual dos juros", afirmou o ministro Campbell. Os ministros que aderiram à tese divergente, no entanto, ficaram vencidos em uma votação apertada: por cinco votos a quatro prevaleceu a tese da ministra Eliana Calmon.

Após a discussão sobre a prescrição, os ministros da corte entraram no mérito do recurso, e por sete votos a dois, prevaleceu o entendimento da ministra Eliana Calmon de que pode ser feita a correção dos juros pela inflação, referentes aos pagamentos feitos em 2005. De acordo com Alde da Costa Santos Júnior, advogado da Máquinas Condor, a empresa obteve sua demanda completamente atendida, pois pleiteava apenas a correção referente ao que foi devolvido pela estatal na terceira assembleia para a conversão em ações, em 2005. Na opinião de Santos, dificilmente a questão vai ser reexaminada na corte após tão extensa discussão.

Para o advogado Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon Mizabel Advogados, que defende a Eletrobrás no caso, apesar de o entendimento ter sido parcialmente favorável à estatal, ainda é possível contestar toda a correção dos juros no Supremo Tribunal Federal (STF). Para o advogado, o STJ decidiu além da lei. Ele afirma que a jurisprudência está firmada no sentido de a correção de tributos não precisa ser exigida quando isso não estiver determinado na lei que os disciplina.