Título: Multa contra recurso judicial
Autor: Maakaroun, Bertha
Fonte: Correio Braziliense, 07/06/2010, Brasil, p. 10

Anteprojeto que altera trâmite de ações na Justiça chega ao Senado com propostas para reduzir atrasos nos processos e nos julgamentos

Fim da apelação, quando a sentença já estiver consolidada em súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os processos morrerão na primeira instância. Naqueles casos não previstos em súmulas, a apelação, que hoje tem força para paralisar o processo suspendendo a execução da Justiça, não mais impedirá o cumprimento da sentença. Só em casos excepcionais. Essas são algumas das medidas que constam do anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil (CPC), que será entregue amanhã ao presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB-AP). A informação é do professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Humberto Theodoro Júnior, que integrou os trabalhos da comissão de juristas de todo o país, formada para esse fim em outubro do ano passado.

Mas há outras novidades. Multas pesadas, que podem chegar a 20% do valor da causa, para os advogados que apresentarem recursos apenas para retardar o processo, o que no juridiquês se convencionou chamar de ¿litigância de -má fé¿. Além das multas, os recursos usados para procrastinar a Justiça estarão sujeitos à imposição de honorários advocatícios pelo juiz: a parte que usou maliciosamente o recurso deverá pagar ao advogado da outra parte cada vez que entrar com um novo recurso e perder. A redução das possibilidades de recursos, que não dizem respeito ao mérito do conflito, mas ao andamento do processo, também é proposta destinada a agilizar a tramitação e a execução da Justiça.

Novidade Já aplicada em países da Europa, como a Alemanha, outra grande novidade no anteprojeto, mas que no Brasil constitui proposta pioneira, é a chamada coletivização do resultado de ações repetitivas em primeiro grau. ¿Temos uma sociedade de massa. Todas as vezes em que um mesmo tipo de ação ¿ no campo da telefonia, dos tributos, envolvendo servidores públicos ¿ pipocar em diversas comarcas, ao ser detectado que a questão se repete, qualquer interessado poderá provocar a remessa ao tribunal¿, explica Humberto Theodoro Júnior. Caberá ao tribunal julgar o caso, que passará a ser paradigma, com a sua solução comunicada a todos os juízes. ¿O primeiro efeito é admitir o incidente. Quem admite é o tribunal, que verifica que está havendo repetição e expede circular aos juízes para aguardar julgamento único. É a dinâmica de racionalidade de efeitos magníficos se for implantado¿, considera o professor.

A ideologia que norteou os trabalhos da comissão foi dar maior agilidade à prestação da Justiça. ¿Foram criados institutos e abolidos outros, que se revelaram ineficientes. Optou-se, por exemplo, pela inclusão de ônus financeiro visando desencorajar as aventuras jurídicas que abarrotam as Cortes Judiciais do nosso País¿, explica Humberto Theodoro, que sustenta ser necessário não apenas o recrudescimento do tratamento repressivo da litigância de má-fé, como também mudar a cultura dos tribunais para a aplicação de multas. ¿O juiz precisa conscientizar que o manejo dessas penalidades não é cerceamento de defesa. Em todos esses recursos, se adotou a política não só de ser maior a pena pelo recurso temerário, como a sanção econômica de grande eficiência prática, que é a sucumbência de cada recurso¿, assinala.

Prazo máximo de um ano para processos

Justiça que tarda, falha. Inventários que se arrastam há 25 anos. Ações de execução que se perdem em recursos movidos pela litigância de má fé, impedindo por décadas o cumprimento da Justiça. Os recursos, a maioria protelatórios, segundo estimativa do professor e desembargador Caetano Levi Lopes, do primeiro grupo de câmaras cíveis do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, somam em média a 60 por processo. ¿Há muitos exageros na lei processual¿, sustenta Lopes, que prega a necessidade de simplificação dos processos. Eles teriam um tempo ideal de duração de no máximo um ano, quando a causa não envolvesse o Estado. ¿Na atual legislação processual, esse tempo de duração é impossível¿, diz o desembargador.

O problema é grave, as estatísticas, além de não detalhadas, são pouco atuais. Os dados mais recentes, divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2009, são relativos aos números da Justiça de 2008. Segundo relatório do CNJ, só no âmbito da Justiça nos estados, dos 12,38 milhões de processos julgados em primeira instância, cerca de 1,5 mihão (12% do total) chegou aos tribunais de Justiça. Dos cerca de 1,3 milhão de acórdãos publicados nos estados, 363,8 mil (26,5%) acabaram nos tribunais superiores. Houve nos estados 160,8 mil recursos internos frente às 9,154 milhões de decisões no primeiro grau. Das cerca de 1,5 milhão de decisões nos tribunais de justiça dos estados em 2008, os recursos internos somaram 347,6 mil ¿ 22,2%.

Em defesa das ações coletivas como forma de racionalizar a execução da Justiça, Antônio Carlos Alpino Bigonha, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, faz crítica ao fato de tanto advogados como o Poder Judiciário terem, desde a Constituição de 1988, desconstruído o processo coletivo. ¿Uma ação civil pública poderia resolver milhares de casos e agilizar a justiça¿, sustenta.

Conheça todas as formas de recorrer

1 - Há dois tipos de sentença em um processo judicial. Sentenças de matéria processual, relacionadas ao processo, e a sentença definitiva, que decide o mérito da ação

2 - Dentro do processo civil, há oito tipos de recursos: apelação, agravo, embargo infringente, embargo declaratório, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e embargo de divergência.

3 - A movimentação processual de um caso simples, como um acidente de trânsito, ilustra o problema. Há o acidente e um dos envolvidos propõe ação contra o outro. Considerando um caso em que não haja seguradora envolvida, inicia-se a fase de produção de prova.

4 - Nessa fase, cada parte requer a sua prova. Iniciam-se os recursos a cada decisão do juiz. Esses recursos são chamados de agravo e agravo de instrumento. Em geral, são apresentados ao Tribunal de Justiça

5 - Por exemplo: o autor da ação requer a apresentação de prova testemunhal. O juiz defere. O réu agrava ao Tribunal de Justiça, argumentando que o autor não havia pedido essa prova no início da petição incial. É o primeiro recurso

6 - Supondo que o TJ mantenha a decisão do juiz, o réu poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se de um recurso especial. É o segundo recurso

7 - Se o recurso não for admitido pelo vice-presidente do Tribunal de Justiça, o réu poderá tentar recorrer com agravo ao Tribunal de Justiça. É o terceiro recurso

8 - O STJ julga o agravo para dizer se o recurso especial deverá subir ou não. Supondo que o STJ mantenha a decisão do TJ, o réu poderá interpor um embargo declaratório. É o quarto recurso.

9 - O réu poderá apresentar recurso extraordinário ao STF, com alguma alegação qualquer, do gênero ¿a multa fere o direito de defesa¿. É o quinto recurso.

11 - No dia da audiência, o réu trata de impugnar uma das testemunhas. O juiz decidirá se aceita ou não a impugnação. A parte insatisfeita poderá apresentar agravo. É o sexto recurso

12 - O juiz julga e dá a sentença. A parte que perder apelará para o TJ. Na apelação, o tribunal poderá julgar o agravo da parte. Se o TJ anular a audiência, a sentença de primeira instância será nula e o processo voltará ao juiz para que faça nova audiência. Reinicia-se a discussão