Título: Lula vai conversar com governadores para reduzir atritos
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 28/08/2009, Brasil, p. A4

Pouco dias antes de divulgar as regras de exploração do petróleo na camada pré-sal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva montou um plano de emergência para reforçar a articulação política e diminuir a resistência dos maiores Estados produtores ao novo marco regulatório. A pedido do presidente, o chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, telefonou ontem de manhã para os governadores do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), e chamou os dois para uma conversa no fim da tarde de domingo, no Palácio da Alvorada. Também convidado, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), deve participar da reunião.

Juntos, os três Estados somam 126 votos na Câmara e podem complicar a aprovação dos projetos de lei que serão encaminhados pelo governo ao Congresso. O conteúdo final dos projetos será divulgado em uma cerimônia, na segunda-feira à tarde, transformada em ato político. Cabral e Hartung temem a futura perda de receitas com a decisão de distribuir as regalias do petróleo a todos os Estados e municípios. Eles declararam que não vão à solenidade , porque desconhecem o teor das propostas e não foram ouvidos.

Os dois governadores pedirão a Lula o adiamento da cerimônia. " Vou e volto no domingo mesmo. Não vou participar de um ato de um projeto que nunca conheci. Vai ser a primeira discussão. Faço um apelo ao presidente para que ele adie esse ato", disse Cabral. Na conversa por telefone, Lula teria se surpreendido com o desconhecimento do pemedebista sobre as regras.

Cabral relatou ao presidente a falta de diálogo não só com os governos estaduais e municipais, mas com empresas e especialistas. "Acho que essa construção foi feita a quatro paredes, sem o conhecimento da sociedade. Eu contei isso para ele e ele se surpreendeu e falou "mas vem cá, ninguém te apresentou o projeto?" E eu falei: "não, eu não vi o projeto"", disse o governador do Rio. Para Cabral, a condução da regulamentação está "na contramão do que pensa e de como age o presidente", devido à falta de diálogo com o governo. Hartung trocou o seu comparecimento na cerimônia pela abertura do encontro econômico Brasil-Alemanha, em Vitória.

O governo também não conseguiu driblar a contrariedade das petrolíferas estrangeiras com a regulamentação, em reunião realizada ontem com dirigentes do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) . Após encontro com os ministros Edison Lobão (Minas e Energia) e Dilma Rousseff (Casa Civil), executivos do IBP soltaram uma nota em que ressaltam dois pontos: a defesa do sistema de concessões e preocupações com a tramitação dos projetos de lei em regime de urgência constitucional, "no qual a indústria e outros setores da sociedade civil terão apenas 90 dias para apresentar emendas e obter suas aprovações, enquanto a comissão interministerial levou cerca de 14 meses para elaborar a proposta a ser enviada ao Congresso".

A entidade, que representa as multinacionais do setor, defendeu a manutenção do modelo atual. Classificando o sistema de concessões como competitivo e transparente, o IBP afirmou reconhecer o direito do governo de escolher o marco regulatório mais adequado para a exploração dos recursos petrolíferos, mas cobrou o respeito "integral" dos atuais contratos e fez uma ressalva. "O instituto apenas reitera que o modelo a ser instituído mantenha o mesmo nível de atratividade para os investidores, com retornos compatíveis com os riscos assumidos", diz a nota.

Além de instituir o regime de partilha, o governo definiu que a Petrobras será operadora única e terá participação acionária de pelo menos 30% nos blocos do pré-sal ainda não licitados. A decisão de fortalecimento da Petrobras foi tomada na reta final das discussões, em meio à instalação da CPI no Senado, revertendo a sua iminente perda de atuação para a nova estatal, que será criada para administrar as reservas. Já vem sendo chamada pelos especialistas e pela iniciativa privada de "monopólio 2.0", em uma referência à abertura do setor pela Lei do Petróleo de 1997. Um dos grandes protagonistas na reviravolta foi o diretor de exploração e produção da Petrobras, Guilherme Estrella, que convenceu a ministra da Casa Civil a reforçar o papel da empresa.

Em meio à expectativa que antecede o anúncio das novas regras, o presidente Lula afirmou, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que enxerga o pré-sal como uma "possibilidade" de futuro. Para Lula, que anunciará o novo marco regulatório segunda-feira, "daqui a 15 ou 20 anos este país pode ser outro país, um país industrializado e socialmente justo, com uma grande maioria de brasileiros pertencentes à classe média. E isso só virá através da criação de oportunidades para as pessoas que não tiveram oportunidades", disse.

Lula ressaltou que o dinheiro originado da exploração será utilizado para a criação de um fundo, com três funções essenciais: resolver o problema do atraso no sistema educacional, sanar uma dívida que o Brasil tem na área de ciência e tecnologia e "tirar o povo da miséria na qual se encontra". O presidente admitiu que alguns defendem a aplicação em outras áreas, mas o presidente prefere a cautela. "Se a gente pulverizar o dinheiro, ele vai entrar no ralo do governo e não vai produzir nada. Nós precisamos ter carimbados os recursos para educação, ciência e tecnologia, e combate à pobreza, como três coisas sagradas para tirarmos o país da situação em que se encontra", completou.

Diante de empresários e representantes do movimento social, Lula criticou aqueles que dizem que o Brasil não pode mudar as regras de exploração após a descoberta dos campos do pré-sal. "Esta semana vi um discurso, no Espírito Santo, dizendo que os empresários estrangeiros do setor de exploração de petróleo entendem como normal que o Brasil mude as regras, porque todos os países que acharam muito petróleo mudaram. Mas no Brasil sempre aparecem aqueles que se tratam como se fossem cidadãos de segunda classe, e acham que a gente não pode fazer nada", afirmou Lula.

O presidente disse que, nos seus sonhos, não apenas os mais necessitados serão ajudados pelo pré-sal, mas também a indústria petrolífera brasileira. "Este país, que vai precisar comprar 200 navios novos, que vai precisar comprar mais de 40 sondas, que vai precisar comprar não sei quantas plataformas, este país tem que ter uma das mais modernas indústrias petrolíferas. A gente não pode mais ficar regateando e importando. Se algum país quer produzir, que venha montar uma fábrica aqui, gerar emprego aqui, para que a gente possa ver este país disputar de outra forma." (Colaborou Daniel Rittner, de Brasília)