Título: Acordo com Vaticano passa sob contestação
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 28/08/2009, Política, p. A12

O P-SOL estuda um caminho para contestar, na Justiça, a legalidade da sessão da Câmara dos Deputados que aprovou, na noite de quarta-feira, duas propostas polêmicas: o acordo entre Brasil e Vaticano para a criação do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil e, por pressão da bancada evangélica, um projeto que trata da liberdade religiosa. "O que foi aprovado viola o Estado laico, pilar da República", afirmou o líder do partido, deputado Ivan Valente (SP).

A contestação da legalidade da sessão pode ser feita, segundo ele, porque a votação só pôde ser realizada com base num suposto acordo entre todos os líderes partidários aprovando a urgência. De acordo com Valente, o P-SOL manifestou discordância, mas sua posição foi ignorada pela presidência.

Apesar de contestações individuais de parlamentares durante a sessão, quase todos os partidos - do governo e da oposição - encaminharam favoravelmente às duas propostas. "Mantemos a posição de Estado laico, sem interferência curricular. O que votamos foi um acordo de Estado para Estado, entre o governo brasileiro e a Santa Sé, e um projeto que regulamenta o funcionamento de todas as igrejas", afirmou o líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP). "O PT votou a favor dos dois e defende que deve haver regulamentação para a religião, como tudo no país."

Em votação simbólica, a Câmara aprovou, primeiro, o Projeto de Decreto Legislativo relativo ao acordo entre o Brasil e o Vaticano - assinado em novembro de 2008 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Papa Bento XVI -, que cria o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Entre outros pontos, o documento institui o ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino fundamental e prevê a manutenção de bens culturais da Igreja Católica pelo Estado.

Por pressão da bancada evangélica, na mesma sessão foi aprovado projeto de lei que estende a todas as religiões diversos benefícios fixados à Igreja Católica no acordo do Vaticano. A proposta, que estabelece o direito constitucional de livre exercício de crença e cultos religiosos, é de autoria do deputado George Hilton (PP-MG) e recebeu substitutivo do relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Os dois projetos serão agora submetidos ao Senado. O acordo entre o governo brasileiro e o Vaticano deixa clara a inexistência de vínculo empregatício entre religiosos e instituições católicas e garante imunidade tributária para as entidades eclesiásticas. Normas já cumpridas no país sobre ensino religioso, casamento e prestação de assistência espiritual em presídios e hospitais são ratificadas.

Embora apenas o P-SOL tenha manifestado posição partidária contra a aprovação, houve muitas críticas de parlamentares de outros partidos. O deputado Regis de Oliveira (PSC-SP) apresentou voto em separado, considerando a proposta inconstitucional. Alegou que o texto entra em conflito com outras leis existentes no país. Como exemplo, contestou dispositivo segundo o qual os municípios têm que reservar espaços para fins religiosos "nos instrumentos de planejamento urbano a serem estabelecidos no respectivo plano diretor". Isso, segundo Oliveira, representaria interferência nas leis municipais.

Após a aprovação do acordo entre Brasil e Vaticano, foi colocado em votação o projeto relativo às demais religiões. A proposta garante a inexistência de vínculo empregatício entre religiosos e igrejas. E determina que propriedade de uso religioso não poderá ser demolido, ocupado ou penhorado, considerando sua função social. O texto afirma o direito dos sacerdotes de todas as religiões ao acesso a pessoas internadas em hospitais ou detidos em presídios.

Pelo projeto, fica assegurada a igualdade de condições, honras e tratamento a todos os credos. Cada um terá organização própria. O projeto de Hilton garante liberdade de manifestação religiosa em locais públicos, desde que sejam mantidas a "ordem e a tranquilidade pública".

Pela proposta, a violação à liberdade de crença e à proteção dos locais de culto e suas liturgias fica sujeita a sanções do Código Penal, além da responsabilização civil pelos danos provocados.