Título: Câmara ameaça trancar pauta por emendas
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2009, Política, p. A6

Os líderes dos partidos da base de apoio ao governo na Câmara ameaçam trancar a pauta por causa da demora na liberação de recursos orçamentários previstos em emendas parlamentares. O desconforto é tanto que os parlamentares pretendem se queixar diretamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já foi alertado pelo ministro da coordenação política, José Múcio Monteiro. "A situação é grave e está se tornando irreversível", disse o líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (RN).

O primeiro sinal de rebelião foi dado na semana passada. Mesmo com a perspectiva de o Supremo Tribunal Federal decidir, nesta semana, a data de extinção do crédito-prêmio do IPI, os deputados aprovaram emenda à Medida Provisória 460, estendendo o benefício até 2002. No Planalto, a expectativa era que a Câmara deixasse a decisão para o STF.

Esta saída pouparia o governo do desgaste de vetar uma emenda aprovada por deputados e senadores e o Congresso, de ver uma decisão sua rejeitada sumariamente pelo Executivo. Mas os deputados ratificaram a decisão dos senadores transferindo para Lula o desgaste de vetar a proposta. Experientes articuladores políticos acham que isso foi apenas o início. "Vem aí o pré-sal, temos o fundo soberano, há os vetos presidenciais. O Congresso ainda é muito forte", afirmou um interlocutor governista.

A equipe econômica ampara-se nos números para mostrar que não está agindo de má-vontade com os parlamentares. O decreto de programação orçamentária e financeira publicado no Diário Oficial de quinta-feira mostrou uma previsão de queda na arrecadação de receitas administradas da ordem de R$ 8 bilhões em 2009. No início do ano, todos os ministérios tiveram que rever suas expectativas de gastos por causa da crise internacional. Se o governo "apertou o cinto", mantendo intactos apenas os investimentos do PAC e dos programas sociais, os deputados deveriam se adequar à nova realidade.

Os números não diminuem a tensão dos deputados. O que os move não é a escassez de receita, mas o temor de que a não liberação das emendas prejudique suas campanhas eleitorais em 2010. Cada deputado tem direito a R$ 10 milhões em emendas individuais para pequenas obras nos municípios - a maioria, redutos eleitorais dos autores das emendas. Os prefeitos são os principais cabos eleitorais dos deputados, o que faz com que estes não se arrisquem a comprar brigas com os administradores municipais. "Estes recursos já foram anunciados para a população. É um desgaste para o deputado e para o prefeito", disse o líder do PP na Câmara, Mário Negromonte (BA).

Defensores da liberação das emendas lembram que, no ano passado, neste mesmo período, o Ministério do Planejamento já tinha empenhado quase R$ 4 bilhões em emendas. Este ano, foi autorizada até o momento a liberação de apenas R$ 1 bilhão. "Podem até alegar que ano passado (2008), o Brasil ainda estava imune à crise. Mas não estávamos às vésperas de uma eleição", lembra um aliado do governo.

O líder do PMDB, que durante muito tempo orgulhou-se de comandar "uma bancada fiel ao governo", disse que está difícil controlar seus comandados. Alves reconhece que as obras beneficiadas por emendas parlamentares não têm a mesma visibilidade do PAC, que ficou imune aos cortes orçamentários. "Mas são obras importantes, que atendem os pequenos e médios municípios do país", completou.

Henrique Alves é um dos principais articuladores da conversa com Lula. Acompanhados dos presidentes dos partidos da base aliada, os líderes têm no Conselho Político o foro de diálogo com o presidente. Mas não é ao Conselho que eles querem recorrer neste momento. "Queremos uma audiência específica para tratar a questão. Não adianta mais dialogar com a equipe econômica, confiamos na sensibilidade do presidente Lula", afirmou Alves.

O líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), disse que, "para quem mora no eixo Rio-São Paulo, emendas parlamentares pouco interessam. Mas no interior, no Brasil real, R$ 200 mil para uma prefeitura são fundamentais. Elas abrem um posto de saúde, geram emprego."