Título: Tempos difíceis na Receita Federal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2009, Opinião, p. A10

Comandada por um secretário interino desde 15 de julho, a Receita Federal do Brasil passa por uma crise raramente vista. Considerada como um dos poucos locais de excelência na administração pública federal, a Receita começou a se tornar instável logo após o ministro da Fazenda, Guido Mantega, há um ano, trocar o secretário Jorge Rachid por Lina Maria Vieira, até então Superintendente Regional da Receita Federal do Brasil na 4ª Região Fiscal (Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Pernambuco).

Lina foi uma escolha do secretário-executivo do Ministério, Nelson Machado, que passou a acompanhar com lupa todas as questões importantes do fisco e a ser considerado, de fato, o comandante da área. Com a vacância do cargo, Machado foi primeiro cotado para assumi-lo. Logo em seguida, novas informações apontaram Machado como o responsável pela escolha do novo secretário. A decisão de demitir Lina já vai completar um mês. Ela foi tomada na segunda semana de julho. Desde então, assessores de Mantega afirmam que a preferência do ministro continua recaindo sobre o atual presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Valdir Simão.

Quando Lina assumiu, trocou oito dos dez superintendentes da Receita, abrindo espaços para indicações de uma ala da Unafisco, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal. Hoje, alega-se que os atuais superintendentes se opõem à escolha de um técnico cuja origem é a Previdência Social.

Na semana passada, depois de um encontro do ministro da Fazenda com três desses superintendentes, noticiou-se que eles haviam deixado duas sugestões de nomes para o ministro: Paulo Nogueira Batista Jr., atual representante do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), e Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A assessoria da Fazenda prontamente negou que esses dois nomes estivessem sob análise do ministro.

A exoneração da secretária decorreu, como foi fartamente noticiado pela mídia, de um conjunto de razões (problemas com a Petrobras e fiscalização em grandes bancos). Dentre elas, porém, sobressai o desconforto do presidente Lula com a queda da arrecadação federal. Deixar a Receita Federal sob uma longa interinidade pode ser pior para a arrecadação.

A perda de eficiência do fisco tem sido de tal ordem que atrasos de procedimentos, superados há uma década, voltaram a acontecer. O programa da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) para quem declara com base no lucro real, que deveria ter sido disponibilizado aos contribuintes até o dia 30 de junho, ainda não o foi. No site da Receita consta somente uma informação: "Oportunamente será disponibilizada nova versão da DIPJ 2009 para as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, ou forma de tributação mista que contenha lucro real, e para as Entidades Imunes e Isentas do IRPJ, com novo prazo de entrega a ser fixado quando da aprovação do programa".

A retração da atividade econômica no primeiro semestre levou a uma queda real de 10,5% na receita. Este foi um reflexo da queda da produção, do faturamento e do lucro das empresas, além das desonerações de tributos concedidas a setores específicos para atenuar os efeitos da crise econômica. Os especialistas argumentam que o sistema tributário brasileiro é pró-cíclico - quando a economia cresce, a arrecadação cresce acima do PIB; e quando a atividade cai, ela cai mais do que o PIB - por causa da concentração de impostos sobre faturamento. Isso explica parte da queda, mas não toda ela, pois pode-se atribuir ao fisco também uma enorme capacidade de encontrar medidas compensatórias para as perdas de receitas com os ciclos econômicos.

A Receita Federal do Brasil é uma das áreas estratégicas do governo, assim como o Tesouro Nacional, a Polícia Federal e o Banco Central. Como tal, precisa de quadros especializados, regras claras e comando. Não deve ser uma instituição sujeita a pressões políticas, nem pode ser entregue ao corporativismo. É com essas premissas em mente que o ministro da Fazenda deve conduzir a sucessão e a gestão do fisco.