Título: Falta extinguir o foro privilegiado
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Fonte: Correio Braziliense, 06/06/2010, Opinião, p. 19

Visão do Correio

Desde a década de 1990, vários projetos sobre a reforma política hibernam nas serventias do Senado e da Câmara. O tema é recorrente nos debates acadêmicos e na oratória circunstancial de alguns parlamentares. Conceder maior legitimidade e dinamismo às instituições do Estado, assim também civilizar a vida pública brasileira, fundamentos da mudança, não despertam entusiasmo no Congresso. Não passam, no jogo cotidiano de interesses paroquiais e do fisiologismo, de simples utopia.

Mas o cenário da omissão legislativa em matéria transcendental para o fortalecimento do regime democrático está na iminência de mudar em ponto importante. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) acaba de extinguir o voto secreto nas sessões convocadas para deliberar sobre cassação de mandatos. Trata-se de emenda constitucional ao artigo 55, § 2º, da Carta Magna, que impõe o sigilo do sufrágio quando se tratar de decisão do plenário nos casos sujeitos à perda de mandato.

Para atribuir mais lógica política ao princípio saneador, o senador Antonio Carlos Valadares, relator da PEC, estendeu o voto aberto na apreciação das mensagens presidenciais sobre a indicação do presidente do Banco Central, de embaixadores e de titulares de agências reguladoras. Manteve no anonimato a escolha de conselheiros para o Tribunal de Contas da União (TCU) e dos ministros dos tribunais superiores. Justifica-se o critério para evitar constrangimentos e eventuais ressentimentos futuros entre indicados e senadores que acaso tenham votado contra a indicação.

Na amplitude desejável à revisão institucional, para elevar os padrões de funcionalidade estatal e regrar a postura ética de agentes públicos e mandatários políticos, a PEC em foco representa apenas um passo. Mas, sem dúvida, de indiscutível essencialidade. Seria o caso de aumentar-lhe o arco de incidência, a fim de acolher medidas de maior impacto, há tempos objeto do clamor nacional. Ousar, pelo menos, a extinção do foro por prerrogativa de função (foro privilegiado).

A designação de instância especial, no caso o Supremo Tribunal Federal (STF), para julgar condutas penais de parlamentares e de diversos titulares do mando político é excrescência intolerável. Malgrado previsto na Constituição, o privilégio contraria o princípio do igualitarismo na percepção de direitos e deveres, pilar do sistema de garantias próprio das nações democráticas. É indispensável admitir que o constituinte de 1988 inseriu na Constituição preceito de feição inconstitucional, pois fere a regra nuclear, nela mesma inscrita, de que ¿todos são iguais perante a lei¿. Se o mandante (eleitor) não tem direito a foro privilegiado, não pode transferir ao mandatário (parlamentares e outros agentes públicos) direito que não possui. É norma válida em todos os países civilizados.