Título: Governo fica com 60% da renda do petróleo no Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2009, Brasil, p. A4

A intenção do governo de aumentar significativamente a parcela que cabe ao setor público na receita proveniente da exploração das reservas de petróleo e gás se espelha na experiência de outros países e não depende da mudança de modelo de exploração. De acordo com diferentes estudos e especialistas consultados pelo Valor, o poder público no Brasil, considerando todas as esferas, fica atualmente com cerca de 60% da renda proveniente do setor petrolífero, enquanto em países grandes produtores, como Nigéria, Líbia e Venezuela, esse percentual se aproxima ou passa de 90%. A participação brasileira é obtida principalmente com a arrecadação de royalties e participações especiais.

Além da participação do poder público nos grandes produtores ser maior que no Brasil, ela cresceu em quase todo o mundo no período de subida do preço do produto, a partir de 2003. Em países como o Cazaquistão e Argélia, por exemplo, a parte da receita que fica com os governos saltou do patamar de 50% e 70%, respectivamente, para 90%. Na Líbia, a parcela passou da faixa de 80% para 95%. O Brasil, uma exceção, manteve o percentual em 60% (ver gráfico). Os dados são da Cambridge Energy Research Associates (Cera) e da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

"Esse movimento é um reflexo da elevação dos preços do petróleo. A elevação das cotações aumentou os lucros das empresas do setor, o que estimulou os governos a aumentar a taxação", diz Walter de Vitto, analista da Tendências Consultoria. Segundo ele, um crescimento da participação do setor público sobre as receitas de exploração não é algo criticado pelo setor privado. "Existe espaço para elevar a arrecadação no Brasil."

Edmilson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Engenharia e Eletrotécnica da Universidade de São Paulo, diz que é razoável que o Brasil aumente a sua participação na exploração do pré-sal. "Quanto mais lucrativo for o investimento, mais os governos exigem participação."

Segundo ele, o crescimento da produção que virá com a exploração do pré-sal torna quase que obrigatório esse aumento da arrecadação do Estado, o que independe de uma mudança de modelo de exploração. A alta pode se dar tanto com a troca para o modelo de partilha, com estabelecimento da parcela da produção que deve ficar com a União, como com a elevação das alíquotas de royalties e participações especiais já existentes.

"A descoberta do pré-sal fez com que os 60% arrecadados se tornassem pouco para o Brasil", diz Santos. O professor considera que o interesse das empresas não deve diminuir com a mudança. "O Brasil é um dos maiores potenciais hoje para investimento em petróleo. As empresas não ficarão fora dessa oportunidade por conta de uma tributação maior."

Para ele, o fato de o Brasil não ter seguido a tendência mundial de crescimento dos tributos sobre a exploração de petróleo a partir de 2003 é resultado da existência de uma estatal muito forte e uma agência reguladora fraca. "Mas essa situação acabou por fazer com que o Brasil ficasse ainda mais atrativo a ponto de empresas se arriscarem a descobrir o pré-sal."

Com a proximidade da divulgação do novo regime jurídico do setor de petróleo no Brasil, empresas e escritórios que têm contrato de sigilo com fontes evitaram comentar ontem notícias sobre a suposta decisão do governo de reter 80% do pré-sal para a União. Ao adotar o regime de partilha da produção, o Brasil terá um sistema que funciona de forma simples, em tese. Nesse regime, a propriedade dos hidrocarbonetos é da União e uma empresa operadora assina um contrato para explorar e produzir em determinada área. Por esse modelo a empresa contratada assume sozinha os custos de exploração, desenvolvimento e produção na área, recebendo como pagamento uma parte da produção para ressarcir seus investimentos.

Na partilha, é assinado um contrato que estabelece qual percentual da produção ficará com o Estado ou seu representante, assim como a parcela que caberá à empresa operadora da área como pagamento. Antes da divisão podem ser deduzidos os custos de produção. Em estudo da ANP, publicado em dezembro de 2007, os autores afirmam que podem ser cobrados "royalties" em um acordo de partilha da produção, que pode ter o valor descontado antes que sejam deduzidos os custos.

O percentual também pode ser estabelecido como um teto para a dedução dos custos, o que permite que o governo receba parte dos lucros no início da operação do projeto, sem precisar esperar que os custos sejam amortizados. Depois que os investimentos forem recuperados pela empresa operadora, ela reparte com a União o petróleo ou a receita, em proporções que podem resultar em parcela para o governo variando de 65% a 90%.

Segundo a ANP, nesse modelo as companhias de petróleo estão sujeitas às regras do Imposto de Renda. O modelo de partilha de produção é utilizado em países que apresentam maiores reservas e em que os custos são médios, como a Nigéria, China, Indonésia, Líbia, Egito, Jordânia, Síria e Turquia, entre outros. Países com reservas de maior porte e menores custos de produção, como Kuwait, Irã e México, possuem contratos de risco. A Venezuela adotou joint ventures, que são uma forma de contrato de concessão. Na Arábia Saudita, que tem as maiores reservas e a maior produção do mundo, a estatal Saudi Aramco tem monopólio sobre as atividades. Tempos atrás o governo saudita abriu uma licitação para exploração apenas de gás em regime de contratos de serviços com cláusula de risco. Esse contrato estipulava que qualquer descoberta de óleo passaria para a Saudi Aramco sem nenhum direito para o investidor.

Até agora, o governo não deixou claro qual o tamanho das obrigações que a Petrobras assumirá no novo modelo. Na avaliação de Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, a Petrobras será a prestadora de serviços preferencial da nova estatal de petróleo.