Título: A CPI é para melhorar a Petrobras, não é para punir ninguém", diz Jucá
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2009, Política, p. A6
Todos os diretores da Petrobras e da Agência Nacional de Petróleo (ANP) serão convidados a prestar esclarecimentos sobre a estatal na CPI da Petrobras. A comissão, entretanto, deverá poupar o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, a ministra da Casa Civil e presidente do conselho de administração da estatal, Dilma Rousseff, e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) - ao menos no início das investigações. No cronograma de trabalho da CPI, o primeiro item da pauta deverá ser a manobra financeira da Petrobras que resultou na redução do recolhimento de impostos e contribuições no valor de R$ 4,3 bilhões. Os indícios de superfaturamento na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, deverão ficar para o fim dos trabalhos da comissão e é o último ponto do roteiro das apurações. As informações fazem parte do plano de trabalho que o líder do governo no Senado e relator da CPI da Petrobras, Romero Jucá, (PMDB-RR) apresentará hoje.
Depois de investigar a manobra financeira, item mais fácil, segundo Jucá, os senadores apurarão as denúncias de desvio de royalties do petróleo, apontadas pela Polícia Federal; as denúncias do Ministério Público Federal sobre fraudes envolvendo pagamentos; os acordos e indenizações feitas pela ANP a usineiros; as denúncias de irregularidades no uso de verbas de patrocínio da estatal; os indícios de fraude nas licitações para reforma de plataformas de exploração de petróleo, apontadas pela Polícia Federal e as irregularidades nas construções de plataformas, apontadas pelo Tribunal de Contas da União.
O governo tem maioria na CPI da Petrobras: oito dos onze senadores, além do relator Jucá e do presidente, o petista João Pedro (AM). O Planalto, entretanto, teme que a CPI transforme-se em palanque eleitoral, às vésperas da sucessão presidencial de 2010. A duração das investigações é de seis meses, podendo ser prorrogada por mais seis meses - e terminar no ano eleitoral.
De seu gabinete, decorado com fotos de Roraima e imagens religiosas, Jucá concedeu uma entrevista ao Valor, na manhã de ontem, pouco antes de fazer os últimos acertos sobre o cronograma com o presidente da CPI, João Pedro (PT-AM). Em cerca de meia hora, foi interrompido cinco vezes. O pemedebista mostrou-se satisfeito com o apoio do PT ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), apesar da resistência da bancada petista de senadores. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: Qual o roteiro de trabalho para a CPI da Petrobras que o senhor apresentará hoje?
Romero Jucá: Vou deixar muito claro qual vai ser a linha de trabalho. Vamos trabalhar com responsabilidade. A ideia é que não se deixe de investigar, nem se promova uma relação de espetáculo, de estardalhaço político. O primeiro ponto deve ser a Receita Federal. É uma coisa que a gente ´mata´ rapidamente. Depois serão as denúncias sobre desvio de royalties, os acordos da ANP a usineiros; os patrocínios da Petrobras, as plataformas de exploração de petróleo e a refinaria Abreu e Lima. Todas as questões deverão ser averiguadas com responsabilidade, sem espetáculo. Discutir patrocínio da Petrobras não é analisar especificamente um patrocínio. Acho que tem que ser propositivo, analisar o quadro, como funciona, como deve funcionar, quais são os erros e se eventualmente tiver alguém feito errado vamos encaminhar ao Ministério Público. A CPI é para melhorar a Petrobras, não é para punir ninguém.
Valor: Quem será convidado da depor?
Jucá: Vamos seguir tema por tema e esgotar os convites. Serão convidados todos os diretores da Petrobras e da ANP, inclusive o presidente da agência, Haroldo Lima. Ficarão em ´stand by´. Não quer dizer que irão logo no início. Não vamos fazer devassa. A qualquer momento poderão ser chamados e não precisaremos aprovar um requerimento. Mas o Gabrielli (José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras) não. Não tem assunto para ele. Nós temos que chamar no momento que seja producente a presença do convidado. Não quero chamá-lo para fazer simplesmente para fazer uma exposição da Petrobras nem quero chamá-lo duas ou três vezes. Não adianta chamá-lo no começo, quando as informações ainda não foram levantadas. Tem que chamar no momento apropriado. Não tenho pressa nem receio de chamar. O ritmo da investigação é que vai determinar a presença de cada um. Só vou convocar se se negar a vir.
Valor: Fundação Sarney, da qual o presidente do Senado é sócio vitalício, deve ser investigada?
Jucá: Vamos pedir informações, em um momento oportuno, mas não é agora. Vamos ver se é a questão da Petrobras ou se é do Ministério da Cultura. Os recursos foram liberados de acordo com a Lei Rouanet e pode ser que a investigação fique a cargo do Ministério da Cultura, apesar de o dinheiro vir da Petrobras. Se for isso, não é objeto da CPI. O presidente Sarney não deve ser convocado em nenhum caso. Ele não é gestor da fundação. Querer convocar o presidente é forçar um pouco a barra. Isso é politizar.
Valor: A oposição cogita convocar a ministra Dilma Rousseff. O governo impedirá?
Jucá: A ministra Dilma não tem assunto pertinente a esses objetos. Por enquanto não vamos convidá-la. Se depender de mim a CPI não será palanque nem contra nem a favor do governo. A Petrobras não precisa disso, nem o governo. Se a oposição tentar politizar e levar para o próximo ano, uma exploração negativa em cima da Petrobras é pior para a oposição do que para o governo.
Valor: Ao focar a investigação em convênios e patrocínios, não se corre o risco de fazer uma apuração superficial, já que os grandes contratos e licitações não devem ser objeto da CPI?
Jucá: Não vamos fazer uma devassa. Os pontos que serão investigados estão no requerimento. Não tem grandes contratos ou licitações. Não é isso. Não é um inquérito da época militar, que vai do batizado ao casamento, analisava 40 anos de vida pregressa de cada um. Não vamos fazer assim. Vamos estudar os sete pontos.
Valor: O governo tem a maioria dos integrantes da CPI, mas teme perder o controle das investigações como aconteceu na CPI do s Correios, que investigou o mensalão. Qual o limite da investigação? Qual a recomendação do governo? Haverá comparação com o governo de Fernando Henrique Cardoso?
Jucá: A recomendação é que a Petrobras possa sair da investigação melhor e que se preserve o patrimônio e a capacidade de trabalho da empresa. Ninguém está preocupado em pegar Fernando Henrique, ou Getúlio (Vargas) ou Sarney. Toda investigação tem acompanhamento do Ministério Público, da Polícia Federal, dos órgãos de controle. A CPI vai dar destaque político, ampliar a transparência sobre determinados fatos. A maioria vai definir o rumo de cada fato. O governo quer responsabilidade. Não quer esconder, mas não distorcer. A CPI do mensalão tinha conotação política, definições políticas, embates políticos. A Petrobras é questão técnica. É uma Casa política, mas é um tema técnico. O tipo de enfoque, de clima são diferentes. É uma investigação fora da Casa. No mensalão foi uma disputa dentro da Casa.
Valor: Como líder do governo, o senhor teme que a CPI atrapalhe a discussão do marco regulatório do pré-sal, que deve chegar em breve ao Congresso?
Jucá: A discussão vai ser feita primeiro na Câmara. Quando chegar no Senado provavelmente a CPI já terá acabado. Vai ajudar a discutir essa questão de forma propositiva. A vinda do marco regulatório é positiva. Vai ter um tema importante para o país. A prorrogação vai depender do rumo das investigações. Se a oposição quiser polemizar, eleitoralizar essa investigação vai ter que arcar com o ônus do que isso pode representar. Temos quatro meses pela frente de trabalho. Vamos esgotar os quatro meses antes de dizer se é pouco ou se é muito o prazo.
Valor: A CPI do Apagão Aéreo levou à troca de dirigentes da Anac. Pode haver o mesmo com a CPI da Petrobras, na estatal?
Jucá: A CPI do Apagão Aéreo foi por contingência de falhas operacionais na Anac. A diretoria da Petrobras é profissional, de pessoas do setor. Ninguém está discutindo a troca de dirigentes da Petrobras por causa da CPI.
Valor: Como a crise no Senado deve contaminar os trabalhos da CPI?
Jucá: Não contamina não. A grande contaminação é a eleição. O vírus é a eleição, a disputa.
Valor: Como está a relação entre PT e PMDB? Os pemedebistas estão satisfeitos com o apoio do PT a Sarney e o recuo da bancada petista?
Jucá: A relação está boa. Estamos vivendo uma fase de namoro entre Mercadante (Aloizio Mercadante, líder do PT) e Renan (Calheiros, líder do PMDB). Eles estão "ficando". Não é nada sério. Não é recuo do PT. Temos que entender a conjuntura da cada partido. Não podemos cobrar mais do que as pessoas podem dar. Mercadante tem situação complexa na bancada. Tem que ter espaço para manobrar. Renan tem os embates do PMDB. Tenho que fazer essa ponte. Eu sou o cupido. O PT é o Lula. É a base do governo toda, fundamental. No Senado o equilíbrio é muito instável.
Valor: Se o PT assumisse uma posição mais radical em relação ao Sarney poderia prejudicar a CPI?
Jucá: A CPI da Petrobras não tem nada a ver com isso, mas é importante acalmar os ânimos. Qualquer distensão na base é ruim para o governo e é ruim para os partidos. E tem o foco de 2010. O PSDB quando entrou com uma representação contra Sarney sinalizou que a questão é política. Cabe à base entender que é uma questão política e tem que se reagrupar politicamente.
Valor: O início da CPI pode desviar o foco das denúncias do Sarney?
Jucá: A CPI da Petrobras vai trabalhar bem. Sarney está agindo também. As duas atuações se complementam.