Título: Como mediador, Brasil tenta apaziguar a Unasul
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2009, Opinião, p. A14

Os governos dos Estados Unidos e da Colômbia enfiaram os pés pelas mãos ao ampliar um acordo militar e deram ao continente a impressão de que suas intenções teriam muito maior envergadura e relevância geopolítica do que de fato têm. Erros primários foram cometidos e amplificados ao infinito pelos criadores de caso contumazes, como o presidente venezuelano, Hugo Chávez e o equatoriano, Rafael Correa. "Ventos de guerra começam a soprar sobre a região", disse Chávez, com sua deliberada mistura de histrionismo e paranoia nacionalista, durante a reunião do Conselho de chefes de Estado e de governos da União das Nações Sul-americanas (Unasul). O Brasil foi induzido ao erro pelo sigilo, pela absoluta falta de consultas ou informes dos EUA e da Colômbia sobre o assunto. Na reunião da Unasul em Quito, ele transformou o que a princípio parecia ser, mais uma vez, um alinhamento direto com os companheiros bolivarianos, em um benfazejo papel de bombeiro e mediador.

O presidente Barack Obama entrou em campo para reforçar as tardias explicações de seu assessor de Segurança Nacional, Jim Jones, que visitou o Brasil em uma missão cujo principal objetivo era vender caças americanos e reverter uma até agora aparente simpatia pelos aviões franceses. Obama, Jones e um constrangido Álvaro Uribe, presidente da Colômbia, em rápido périplo por vários países da região, falaram depois e às pressas o que deveriam ter dito antes e com calma: não haverá nenhuma nova base militar em território colombiano. O governo Uribe ampliou um acordo vigente há uma década para que os militares dos EUA possam dispor de mais bases para sua operação principal, a de combater a guerrilha e o narcotráfico. A presença militar está circunscrita a até 800 militares e 600 civis e este efetivo máximo não foi atingido até hoje. Além disso, a manobra dos EUA era mais do que esperada, depois que Rafael Correa tomou posse como presidente do Equador e não renovou a licença de operação da base de Manta.

A diplomacia brasileira esbravejou porque as barbeiragens americanas tumultuaram o papel de mediador nos conflitos na região, que o Brasil exerce e pretende exercer com mais desenvoltura ainda. O governo brasileiro ignorou as recentes denúncias de que armamentos suecos comprados pela Venezuela foram parar nas mãos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc. A receita brasileira para assegurar influência em uma região repleta de líderes bolivarianos e populistas de esquerda combina vasta dose de condescendência com os desmandos de Chávez e companhia com um apelo ao realismo que tem evitado excessos políticos potencialmente desestabilizadores. Há ainda na receita um velho reflexo condicionado de aversão aos EUA, o que tira do país qualquer suspeita de condescendência com o velho "imperialismo" e amplia sua imagem de independência.

Na reunião da Unasul, os caudatários da ditadura cubana, como Morales, Chávez e Correa, tentaram demonizar os EUA e a Colômbia, mas a influência brasileira impediu que suas palavras se tornassem fatos registrados em documento oficial do encontro. Quando nada estava esclarecido e tudo parecia uma fria provocação americana, o presidente Lula chegou a aventar a necessidade de que os países sul-americanos cuidassem eles próprios, sem ajuda, do problema do narcotráfico. Ao que tudo indica, e felizmente, abandonou a ideia. O próprio Estado brasileiro não consegue manter sequer sua presença nos morros cariocas. A situação colombiana, apesar dos avanços, continua dramática. O governo do país que é o maior centro de produção de cocaína enfrenta um exército armado de narcotraficantes que detém boa parte do território do país. Os EUA, como maior mercado consumidor, enfrentam o problema das drogas nas grandes cidades e assistem a um morticínio sem precedentes no vizinho México, onde governo e as máfias das drogas embrenharam-se em sangrenta guerra.

A ajuda e cooperação entre todos os países que são atingidos pelo efeito corruptor e deletério do tráfico deveria ser estreitada e aperfeiçoada. A diplomacia brasileira não deveria ter dúvidas sobre isso e ser mais incisiva com aqueles que não parecem ver no narcotráfico um problema, como Chávez, que mantém mais que suspeitas simpatias para com o braço armado da droga, as Farc.