Título: Sugestões para conter câmbio vão do corte de gastos à quarentena
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2009, Especial, p. A14

A polêmica sobre o nível da taxa de câmbio voltou à ordem do dia, com a nova onda de valorização do real deflagrada nas últimas semanas. Analistas liberais e desenvolvimentistas concordam que o fenômeno tem várias causas - como a perda de valor do dólar no mercado global, a atratividade do Brasil num cenário de crise internacional e o diferencial entre os juros externos e internos -, mas divergem sobre o que deve ser feito.

Enquanto os liberais em geral preconizam a continuidade da estratégia de compras de dólares para acumular reservas e a contenção dos gastos públicos, os desenvolvimentistas são favoráveis a medidas mais incisivas, como o estabelecimento de uma permanência mínima para o capital estrangeiro - a chamada "quarentena".

O ex-diretor do Banco Central (BC) Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, vê o dólar em R$ 1,80 no fim deste ano e em R$ 1,70 no fim do ano que vem. Para ele, há uma mudança na economia global que leva a uma depreciação do dólar em relação a grande parte das moedas do mundo. "O fato de os EUA terem que exportar mais e consumir menos faz a moeda americana se desvalorizar, e o real vai ser uma das moedas pressionadas." Nesse cenário, o fluxo de capitais busca países com grandes mercados consumidores, como o brasileiro. Isso tem atraído e vai continuar a atrair dinheiro externo para cá, como mostram os ingressos elevados de investimentos estrangeiros diretos. Também há recursos para a bolsa de valores e para a renda fixa, diz ele.

Goldfajn acredita que hoje o peso do diferencial entre os juros externos e internos é bem menor para explicar a valorização do câmbio, uma vez que ele diminuiu bastante. "O diferencial de juros é a cereja para o investidor, mas não é o fator principal que tem apreciado a moeda." Para Goldfajn, o BC deve continuar a comprar dólares, mas não adianta muito acelerar o ritmo de aquisições. Segundo ele, se quer manter uma taxa mais desvalorizada, o ideal seria que houvesse uma contenção do ritmo de gastos públicos. "Se o governo gastasse menos, haveria mais espaço para o investimento e as exportações líquidas [diferença entre vendas e compras externas] seriam menos prejudicadas." Se as despesas públicas avançarem à velocidade atual, o modo de financiar o investimento é por meio de déficits em conta corrente - o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior - e uma moeda mais apreciada, avalia ele. E o que acha de controlar capitais? "Não sou a favor. É ineficaz, introduz distorções na economia e não resolve o problema."

Desenvolvimentista, o professor Fernando Cardim de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vê nas entradas de recursos para a Bolsa como um dos principais motivos para a recente valorização do câmbio - e algo que deve ser enfrentado pelas autoridades. "Eu não vejo outra alternativa que não o uso de algum tipo de controle de capitais", afirma ele. "Uma opção é fazer com que uma parte dos recursos que vierem para a bolsa fique depositada sem remuneração por um período mínimo de tempo", sugere Cardim. "O movimento de capitais para a bolsa é um custo sem ganhos para o país. Aumenta a volatilidade do câmbio e ainda arrisca a criar bolhas que depois vão estourar." De janeiro a 6 de agosto, o saldo líquido de investimento estrangeiro na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) totaliza R$ 13,266 bilhões. É 76,6% a mais que os R$ 7,495 bilhões de todo o ano de 2003, quando se registrou o maior volume da série histórica iniciada em 1994.

Para ele, "o problema do diferencial de juros, no momento, é secundário", ainda que uma redução adicional da taxa Selic pudesse ajudar a deter um pouco a valorização do câmbio. Cardim vê a alta dos preços das commodities como outra influência importante para o fortalecimento do real , em um cenário de recuperação da China. Para ele, seria importante introduzir algum imposto na exportação de produtos primários, como sugere há tempos o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. No entanto, ele considera a medida "politicamente inviável". "Vão dizer que querem punir quem é produtivo, que não se deve mexer em time que está ganhando", diz, preocupado com o impacto do câmbio sobre a estrutura produtiva brasileira, que pode se tornar excessivamente concentrada na produção de commodities se o dólar barato vigorar por muito tempo.

O professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, também está incomodado com a trajetória do real. Ele defende compras mais fortes da moeda pelo BC, aproveitando que o custo de carregar as reservas diminuiu, dada a redução no diferencial entre os juros externos e internos. Além disso, ele acha que deveria haver alguma intervenção nos derivativos, como a exigência de depósitos maiores de margens para as operações de câmbio no mercado futuro. Se a compra de dólares e a interferência nos mercados futuros não funcionarem, diz Carneiro, pode ser o caso de adotar medidas de quarentena, exigindo um tempo mínimo de permanência para o capital estrangeiro ficar no país. Para ele, há espaço para cortes adicionais dos juros, mas essa seria hoje uma medida menos importante no combate à valorização do câmbio do que há alguns meses, quando o diferencial entre as taxas internas e externas era bem maior.

O ex-diretor do BC Rodrigo Azevedo, sócio da JGP Gestão de Recursos, vê com maus olhos medidas de controle de capitais. Para ele, são medidas ineficazes, que tendem a ser dribladas com facilidade, a não ser que o país "tivesse uma conta de capitais fechada como a da China".

Para Azevedo, o BC deve continuar a comprar dólares para acumular reservas, mas com o objetivo de reduzir a volatilidade da taxa, e não de tentar manter um nível mais desvalorizado para o câmbio. O melhor, nesse cenário, seria promover reformas na economia que permitissem o aumento de produtividade e, com isso, tornassem as empresas brasileiras mais competitivas lá fora. Ele cita melhoras na infraestrutura, a consolidação do marco regulatório e reformas, como a tributária e a trabalhista.

Para Azevedo, os investimentos estrangeiros diretos e os recursos para ações são os principais responsáveis pela valorização do real, ao lado do movimento de enfraquecimento do dólar no mercado internacional. "O Brasil passou bem pelo período de crise e, como tem um mercado interno grande, é um destino natural para investimentos estrangeiros." Também pesa aí, segundo ele, a alta das commodities. Por fim, diz Azevedo, há um ajuste que reflete em parte a forte desvalorização ocorrida no fim do ano passado, quando as perdas de várias empresas com derivativos exacerbaram a depreciação do real.

O professor Samuel Pessôa, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que o nível do câmbio está muito associado ao nível de poupança do país. Países que poupam pouco, como o Brasil (no primeiro trimestre, foram apenas 11,1% do PIB), tendem a ter um câmbio mais valorizado. A China, que poupa cerca de metade do PIB, tem facilidade para ter uma taxa desvalorizada, diz ele. Com isso, a melhor opção para o Brasil ter uma divisa mais competitiva seria aumentar o nível de poupança pública, diz Pessôa, o que passa pela necessidade de contenção de gastos públicos, com aumentos bem menores para o funcionalismo e o salário mínimo, por exemplo.

Para ele, outra alternativa, se não houver um controle de gastos relevante, é a concessão de estímulo tributário para a indústria de transformação - para toda ela, e não para setores específicos. "Se a CPMF for recriada, como acredito que será no próximo governo, para custear o aumento de gastos, uma opção é desonerar a folha de pagamento para a indústria de transformação, como contrapartida. Isso ajudaria a compensar o impacto negativo do câmbio valorizado."

Se crescer muito o risco de que a pauta de exportações se concentre demais em produtos como minério de ferro, soja e carnes, Pessôa acha que o país pode recorrer ao aumento da tributação da terra e à cobrança de royalties sobre recursos minerais, como se faz com o petróleo. Esse cenário pode se concretizar se a China continuar a crescer aceleradamente, o que justificaria a adoção dessas medidas, diz ele.