Título: Legislativo paga a conta da crise política
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2009, Opinião, p. A12

Como nas crises políticas que se seguiram ao escândalo do mensalão, em 2005, e às denúncias contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) em 2007, a crise de 2009, que se chama José Sarney, levou junto a imagem do Congresso Nacional. Na pesquisa Datafolha coletada entre os dias 11 e 13 de agosto e divulgada no domingo pelo jornal "Folha de S. Paulo", o Legislativo repetiu um de seus piores momentos, o do escândalo Renan - na época, 45% dos entrevistados consideraram a atuação dos parlamentares ruim ou péssima; hoje, esse índice é de 44% -, e só por pouco não superou o desgaste do período do mensalão, quando 48% qualificaram a atuação do Congresso como ruim ou péssima.

O Legislativo parece estar pagando sozinho essa conta. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), é, de fato, o grande artífice da crise, mas o envolvimento do governo e dos partidos na defesa do senador são fatores políticos que parecem ter sido ignorados na avaliação dos entrevistados. É indicativo disso o fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal esteio de Sarney, não ter sido abalado em sua popularidade. Lula está onde tem estado no seu segundo mandato: 67% dos entrevistados consideraram o seu governo ótimo ou bom, dentro da margem de erro em relação à pesquisa de maio, quando tinha 69%, e muito próximo ao que dispunha em novembro de 2008, quando atingiu 70% de aprovação. Dos que apoiam o governo, 73% defendem a saída ou afastamento temporário do senador José Sarney do cargo de presidente do Senado. É a mesma média de todo o universo de entrevistados: 74% dos ouvidos pelo Datafolha querem que Sarney deixe o cargo - 36% desejam um afastamento temporário e 38% preferem sua renúncia.

A pesquisa traduz em números as análises do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), em entrevista ao Valor, na edição do dia 10 de agosto. "Ele [Lula] defende o Sarney e aguenta. Defende o Renan e aguenta. Confraterniza com Collor e aguenta. Quero saber se eu aguento, se o Serra aguenta, se a Dilma aguenta. Ninguém mais aguenta", disse o deputado.

No curto prazo, portanto, a popularidade de Lula pode ter o efeito de não contaminar o Executivo com uma crise que se originou no Legislativo e envolve não apenas um senador, mas vários deles, e tem potencial para se estender mais ainda. O poder do governo de neutralizar crises políticas originárias no Congresso limita-se à popularidade do atual chefe do Executivo. Como a política e a democracia não se extinguem no final do mandato de um presidente popular, todavia, é preciso que a ação de um chefe de Executivo, nesse momento, vá além do incêndio e não contribua para que o Legislativo, pela ação de maus parlamentares, se reduza a cinzas.

O papel de Lula e dos partidos políticos deve ser o de expurgar esse desgaste do Congresso, a instituição por excelência da democracia, com medidas que evitem as crises reiteradas, cada vez com um nome e um centro de escândalos. A coalizão partidária que tem como cimento a "fisiologia, clientelismo e, infelizmente, muita corrupção", segundo as palavras do deputado cearense, não será uma situação administrável num governo de um presidente que não consiga, a exemplo de Lula, isolar-se de contaminações políticas. Construir um cenário pós-Lula significa dotar as instituições de credibilidade e estabilidade políticas que garantam um próximo Congresso com menos potencial de estrago, um governante com possibilidade de estabelecer relações outras com a sua base de apoio parlamentar e deputados e senadores com um mandato mais qualificado.

Se não é possível a um governante livrar-se do PMDB nas coalizões governamentais, é preciso pelo menos que lance as bases para a superação de um padrão de alianças imposto pela legenda com maior representação no Congresso ao quadro partidário. Se é verdade que nenhum presidente consegue maioria parlamentar sem compor com o PMDB, é real também que nenhum governo pós-ditadura tentou manter outro tipo de relação com o partido que não fosse o de cessão incondicional às exigências de uma agremiação que se sustenta no mandonismo e no compadrio. Não houve qualquer tentativa sincera de estabelecer outros vínculos com o partido do senador José Sarney.