Título: Para advogados, Constituição permite alterar regra de pagamento de royalties
Autor: Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2009, Brasil, p. A2

Não existem restrições constitucionais às alterações que o governo pretende fazer na destinação dos royalties incidentes sobre a produção de petróleo e gás no Brasil. Essa é a opinião de advogados especialistas em regulação ouvidos pelo Valor. A Constituição, em seu artigo 20, é vaga ao mencionar a necessidade de compensar Estados e municípios pela exploração de petróleo ou gás, recursos hídricos para geração de energia elétrica e outros recursos minerais. Ela não especifica a base de cálculo e nem a alíquota, deixando inclusive brecha para uma participação no resultado ou um pagamento de compensação financeira.

"O mais sensível na discussão atualmente é o modelo, a decisão sobre dar continuidade ao modelo existente, que é de concessão, ou adotar a partilha de produção. A modelagem é o mais complicado porque a discussão tem um viés técnico forte, mas o viés ideológico é fortíssimo", afirma Rodrigo Jacobina, advogado do escritório Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho.

O repasse dos royalties sobre petróleo e gás obedece às leis nº 9.478/97 e nº 7.990/89, regulamentadas pelos decretos 2.705/98 e 01/91. São cobrados até 5% de royalties para campos terrestres e até 10% para campos no mar, e uma participação especial (PE) de até 40% sobre a receita líquida da produção de campos com grande produção ou rentabilidade.

Sobre a exploração de recursos minerais é cobrada a Compensação Financeira pela Exploração de Minério (CFEM), que varia de 0,2% a 3% sobre o faturamento líquido, sendo permitido deduzir custos com seguro e transporte. Estados produtores recebem 35% e os municípios ficam com 65%. O proprietário do solo tem direito a 50% do valor da CFEM.

Já as hidrelétricas pagam mensalmente 6,75% do valor da energia produzida como Compensação Financeira pelo Uso de Recursos Hídricos. O valor é calculado com base na produção de energia multiplicada por um valor de referência definido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) . Para 2009 ele é de R$ 62,33 por MW/h. Em 2008 foram distribuídos R$ 1,65 bilhão a 634 municípios e 22 estados.

O advogado Giovani Loss, consultor do escritório Fullbright & Jaworski LLP, avalia que ao mudar a forma de contratação (de concessão para partilha) por meio de uma lei, o governo poderá estabelecer novos termos da distribuição das participações governamentais como bem entender. "Ela terá que ser necessariamente diferente, já que no contrato de partilha o petróleo é pago como uma remuneração pelo trabalho prestado pela empresa privada, enquanto na concessão os royalties são uma compensação paga para que a propriedade do petróleo passe para a empresa privada", diz Loss. "O grande problema não é legal, mas político já que será preciso satisfazer todo mundo, tanto quem perde, como quem ganha. Legalmente, a Constituição não bloqueia a forma como se faz a distribuição dos royalties", observa.

Alexandre Chequer, sócio do escritório Thompson & Knight LLP, concorda. " Do ponto de vista legal, alterar as participações governamentais não é problema. O complicado é dar vantagens à Petrobras. Isso gerará a discussões sobre a Constituicao que levarão algum tempo, além do problema politico", avalia Chequer.

A preocupação de Loss se refere a questões relacionadas à corrupção e perda de competitividade da Petrobras diante da falta de concorrência dela com outras empresas caso ela se torne operadora de todas as áreas com percentual de 30%. Com isso, a estatal será responsável por todas as compras de equipamentos e serviços para o pré-sal. "A meu ver, o governo está forçando a barra e criando uma tese jurídica ao imaginar que as outras companhias darão um cheque em branco para o governo favorecer uma empresa de economia mista. O governo brasileiro resolveu inventar uma segunda estatal no modelo de partilha, que costuma ter apenas uma empresa do Estado, ao forçar a entrada da Petrobras como operadora. É muito fora do padrão da indústria", diz Loss, para quem o regime de exploração em Cuba é menos intervencionista que este que o Brasil quer adotar.

Luiz Antonio Lemos, do escritório TozziniFreire Advogados, lembra que na partilha a propriedade dos hidrocarbonetos explorados são do Estado. No Brasil, contudo, o regime é de concessão, obedecendo o artigo 176 da Constituição, combinado com o artigo 177. "Alguns entendem que existem dois regimes jurídicos distintos na Constituição (o 176 e o 177) e diante da aparente existência desses dois regimes surgem discussões sobre a aplicabilidade da partilha", observa Lemos.