Título: Brasil e Argentina terão sistema de troca de moedas
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2009, Brasil, p. A6

Sob forte resistência do Banco Central brasileiro, que alega problemas jurídicos para a medida, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o ministro de Economia e Finanças Públicas da Argentina, Amado Boudou, assumiram formalmente o compromisso de criar um sistema de troca de moedas entre os dois países - swap de moedas, no jargão do mercado financeiro - que garantirá o saque imediato, de um país ao banco central do outro, de até US$ 3,5 bilhões ou 7 bilhões de pesos.

A medida tem o objetivo de dar maior segurança ao mercado sobre a solidez das contas externas argentinas e foi anunciada em comunicado conjunto, ontem, para demonstrar a decisão do governo brasileiro de ajudar o país vizinho, em caso de dificuldades nos compromissos em moeda estrangeira. A conclusão, na semana passada, de pareceres jurídicos do BC apontando obstáculos ao mecanismo de swap, quase impediu a viagem de Boudou a Brasília, e obrigou os governos a adiarem, mais uma vez, a assinatura do documento que oficializará o sistema.

Boudou chegou a receber sugestões do governo brasileiro para que adiasse a visita, enquanto se buscava saída jurídica para garantir a assinatura do acordo, mas preferiu mantê-la e agregou à comitiva 14 jornalistas da imprensa argentina - mais que os 12 funcionários que levava consigo. O ministro argentino veio ao Brasil em avião militar, e o encontro só constou da agenda de Mantega na noite de ontem. Desde junho, o governo planeja a assinatura do acordo, que sofreu vários adiamentos.

Mantega aproveitou o encontro para cobrar do ministro argentino mudanças no decreto recém-instituído pela presidente Cristina Kirchner, que tributou a renda de investidores estrangeiros em infraestrutura na Argentina - a cobrança, retroativa a 2003, impôs custos adicionais de US$ 150 milhões a firmas brasileiras com negócios no país, entre eles uma grande construtora.

Ao anunciar o compromisso com o mecanismo de swap, Mantega garantiu que "predomina a harmonia e o interesse comum entre os dois países", e, apesar de reconhecer a existência de pendências comerciais entre os dois sócios do Mercosul, preferiu chamar a atenção para a recuperação dos fluxos comerciais, abalados com a crise internacional e com as retenções de exportações brasileiras no sistema de licenciamento não automático do governo Kirchner.

O Banco Central impediu a assinatura do acordo que poria em prática o swap com o argumento de que as normas brasileiras impedem a troca de moedas sem a criação de um sistema de garantias contra possível não pagamento.

Para criar ontem o sistema, seriam necessárias medidas que, na prática, obrigariam a Argentina a ter dólares a mais em reserva ou destacar uma parte das reservas atuais para servir de garantia. As alternativas apontadas pelo BC foram uma "cláusula de set off" que exigiria títulos do Tesouro americano em garantia, que seriam executadas em caso de ameaça de não-pagamento; ou, o que os técnicos consideram de mais difícil aceitação, a manutenção de uma "escrow account", um depósito de parte das reservas argentinas em uma conta segregada, que passaria para o Brasil automaticamente em caso de não-pagamento. Os argentinos afirmam ser impossível legalmente separar parte das reservas para esse fim.

No comunicado de Mantega e Boudou, eles afirmam que "uma vez criadas as condições necessárias à viabilização das operações de troca de moeda, serão firmados os entendimentos adequados". Tanto Mantega quanto Boudou declararam não ter interesse em usar tão cedo o mecanismo, que, segundo o argentino, se destinaria a dar maiores garantias e segurança para o comércio em moeda local entre Argentina e Brasil. Mantega afirmou que o sistema será semelhante ao firmado, no auge da crise financeira, entre Brasil e Estados Unidos, que pôs à disposição do Brasil US$ 30 bilhões, em 2008. O sistema, renovado para até 2011, não foi usado por "falta de necessidade", segundo o governo brasileiro. (Colaborou Azelma Rodrigues, do Valor Online)