Título: Sem trabalho, mexicanos já abandonam a Califórnia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2009, Especial, p. A16
Rosalia Martinez parou para descansar um pouquinho. Mexicana, residente legal nos EUA, ela e seus amigos vivem em Tijuana e cruzam diariamente a fronteira com a Califórnia para ajudar viajantes a carregar suas malas.
É um trabalho cansativo, ainda mais sob o intenso calor do meio-dia, e por isso Martinez encontrou um degrau onde pode sentar-se à sombra. Abanando-se com uma revista, ela diz ter notado um aumento no número de mexicanos voltando dos EUA para casa. "Muita gente que estou ajudando aqui na fronteira é mexicana", diz ela. "Mas estão voltando para o México porque não há trabalho para eles na Califórnia". Assim como outros Estados ao longo da fronteira mexicana, a Califórnia há muito tempo pode contar com um fluxo incessante de trabalho barato de imigrantes. Mas, com a contração da economia americana, secaram as oportunidades de emprego e o número de mexicanos cruzando para os EUA por meios legais e ilegais parece ter estancado.
O número de pessoas que entram legalmente nos EUA provenientes do México caiu quase 40% desde 2006, para uma média anual em torno de 350 mil pessoas, segundo o Pew Hispanic Center, um instituto de pesquisas de Washington. Outros dados disponíveis revelam forte aceleração na taxa de declínio com a evolução da crise econômica. Segundo estatísticas oficiais, o número de pessoas detidas tentando entrar ilegalmente nos EUA caiu para 724 mil em 2008, o mais baixo nível desde 1973.
O Departamento de Segurança Interna diz que esse declínio está relacionado com o maior rigor na fronteira. Mas Wayne Cornelius, diretor emérito do centro de estudos comparativos de imigração na Universidade da Califórnia, em San Diego, diz que a recessão na economia americana é o fator mais importante. "A principal razão dessa mudança na propensão a migrar é a falta de oportunidades de trabalho nos EUA, e não o policiamento mais duro na fronteira", diz ele. "Antes de 2008, a vasta maioria de migrantes em potencial tinha um emprego negociado nos EUA antes mesmo de sair de casa, geralmente conseguido por parentes e amigos que já trabalhavam nos EUA."
Mas devido ao menor número de empregos disponíveis - o desemprego na Califórnia, por exemplo, disparou para 11,6% nos últimos meses - os EUA ficaram menos atraentes. "Agora, são frequentemente necessárias semanas de busca de trabalho, e as oportunidades de trabalho ainda disponíveis são mais instáveis do que costumavam ser", diz Cornelius. "Com tal incerteza, é menos racional, para migrantes em potencial, investir milhares de dólares na contratação de um ´coiote´ [guia que ajuda a cruzar a fronteira] e arriscar suas vidas no deserto para migrar ilegalmente."
A redução do tráfego na fronteira não ajudou o problemático bem-estar econômico de latinos na Califórnia. Seus efeitos são claramente visíveis em cidades californianas como Chula Vista, a poucos quilômetros da fronteira. Mais de metade da população da cidade é de latinos, mas as empresas que atendem a população imigrante estão fechando as portas ou em dificuldades para continuar em funcionamento. Na Terceira Avenida, principal via de comércio, há diversas lojas de vestidos oferecidos a famílias que vão celebrar a "quinceañera" - a tradicional festa de debutante, quando se comemora o 15º aniversário de uma garota. Mas com o aprofundamento da recessão, algumas dessas lojas fecharam suspenderam a atividade. Maria Luisa Nava, proprietária de uma das lojas de vestidos remanescentes na Terceira Avenida, nasceu em Tijuana, mas vive em Chula Vista há 40 anos. Ela diz que o movimento de negócios neste ano "é o pior" que já viu.
"Nós costumávamos receber muitos clientes do México, mas o movimento realmente caiu", diz ela, pouco depois de se despedir de um casal que desistiu de comprar um dos vistosos vestidos para sua filha. "A maior parte dos meus clientes é de hispânicos, e eles estão reduzindo suas despesas."
Mais adiante, ainda na Terceira Avenida, Janet Trotter, gerente da loja de penhores Roy´s, diz ter registrado um crescimento do número de hispânicos tentando obter dinheiro empenhando suas coisas. A fronteira mexicano-americana é a mais movimentada do mundo, atravessada por cerca de 250 milhões de pessoas por ano. Ela também divide duas comunidades que até muito recentemente mesclavam-se com bastante facilidade. Não era incomum, para uma pessoa nascida no México com status legal nos EUA, viver em Tijuana e, como Martinez, cruzar a fronteira diariamente para trabalhar na Califórnia. Os aluguéis são mais baratos no México, e os salários melhores nos EUA.
A desaquecida economia americana tornou essa opção menos atraente. Outra motivação para permanecer no México é o tempo necessário para cruzar a fronteira, pois as novas medidas de segurança causam prolongadas esperas. "A demora na fronteira tem aumentado, e pode-se agora ter de esperar duas ou três horas para cruzá-la do México", diz Dede Hollowell, diretora de departamento na entidade beneficente Catholic Charities, em San Diego, que trabalha em estreita colaboração com imigrantes na fronteira e em torno dela. "Isso implica que as pessoas vão dormir, levantam-se às duas ou três da madrugada, dirigem até a fronteira e esperam em seus carros das quatro até as seis da manhã. Só então cruzam para os EUA e vão trabalhar. É um estilo de vida insano."