Título: Mercadante deve entregar cargo hoje
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Fonte: Valor Econômico, 21/08/2009, Política, p. A13

Com a pressão do governo federal e do PT sobre a bancada petista no Senado, o líder do partido na Casa, Aloizio Mercadante (SP), deverá entregar hoje o cargo de liderança. O senador petista adiou em um dia a decisão a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pretendia conversar com ele hoje, mas não deverá receber fortes apelos nem do Planalto, nem da direção partidária, para manter-se no comando da bancada.

A decisão de entregar o cargo foi tomada por Mercadante na quarta-feira, quando a bancada petista saiu desgastada da reunião do Conselho de Ética. Ele disse que sua decisão tem "caráter irrevogável". O líder do PT anunciou que iria divulgar a entrega do cargo em plenário, na tarde de ontem, mas recebeu um recado do ministro José Múcio (Articulação Política) de que o presidente Lula gostaria de falar antes com ele, para evitar o aprofundamento do desgaste político.

O presidente estava fora de Brasília, em viagem pelo Rio Grande do Norte, e retornou a Brasília no fim da noite. Mercadante aceitou esperar pela conversa e remarcou o anúncio de sua decisão para hoje. Até o fechamento desta edição, o encontro entre o senador e o presidente não havia acontecido.

Interlocutores do governo sinalizaram que Lula não deverá insistir para que Mercadante permaneça no cargo. A direção do PT demonstrou descontentamento com a condução do líder do PT na crise do Senado e articulam, junto com o Planalto, a indicação do senador João Pedro (AM) para substitui-lo.

No julgamento de recursos pelo arquivamento de denúncias e representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), a decisão do governo federal e da direção do PT prevaleceu sobre a decisão da maioria da bancada petista. Ao fim da reunião, o senador Flávio Arns anunciou sua saída do PT. Somada à desfiliação de Marina Silva, a bancada reduziu-se de doze senadores para dez. Os três integrantes do Conselho de Ética votaram de acordo com a orientação do comando do PT, para impedir a investigação sobre Sarney. Mercadante sentiu-se isolado e desautorizado a continuar no cargo de líder.

O governo federal e parte da bancada do PT desentenderam-se durante o auge da crise envolvendo Sarney. Mercadante, como líder da bancada, desgastou-se ao defender a posição de licenciamento do senador pemedebista, acatada pela maioria da bancada petista. Ele ameaçou deixar o cargo de líder durante a crise. Durante o recesso parlamentar, o petista soltou uma nota defendendo o afastamento temporário de Sarney - classificada pelo presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), como "infantil" e "precipitada". O ministro Múcio Monteiro, filiado ao PTB, criticou na época Mercadante e disse que a opinião dele representava apenas "de um ou dois senadores", apesar de o líder falar em nome da bancada.

O desgaste entre Mercadante e o Planalto não é recente: na negociação da CPI da Petrobras ele foi isolado e ganhou destaque a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (SC). O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), reclamou ao presidente Lula de Mercadante e Ideli serviu de ponte nas conversas entre PMDB e governo.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), criticou ontem a decisão do líder de entregar o cargo --depois da orientação da cúpula da legenda para o arquivamento das acusações contra José Sarney, no Conselho de Ética. Berzoini, que vai participar da reunião com Lula, conversou com Mercadante por telefone e disse ao petista que seria um "erro" deixar a legenda neste momento.

Senadores da base aliada criticaram decisão do PT de apoiar o arquivamento das acusações. Petista, o senador Eduardo Suplicy (SP) disse que vai lutar para que o PT "não rasgue suas bandeiras" -resgatando a ética como prioridade em relação a interesses eleitorais.

Apesar das críticas ao partido, Suplicy disse que não está disposto a deixar o PT, ao contrário do senador Flavio Arns (PT-PR), que anunciou sua intenção de sair da legenda. Suplicy comparou a crise vivida dentro do PT com a sua separação da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT). "Eu prefiro estar lutando para que o nome do partido ande na direção correta. Eu já experimentei separação, eu sei quão difícil é. Quem aqui nunca enfrentou uma separação?", questionou aos jornalistas.

Ex-petista, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse que o PT terá que "ressuscitar" no futuro para resgatar suas principais bandeiras do passado. "O senador Sarney é ministro do presidente Lula, isso não há a menor dúvida. Agora existem os ministros todos e o ministro do Senado. O PT não é um partido mais. Antes discutia e saia uma posição, hoje é uma porção de pessoas independentes, virou um clube eleitoral como outros partidos do Brasil", afirmou. (C.A.)