Título: Projeto de repatriação de ativos no exterior volta a tramitar no Senado
Autor: Prestes , Cristine
Fonte: Valor Econômico, 21/08/2009, Política, p. A14

O senador Delcídio Amaral (PT-MS) reapresentou na quarta-feira à mesa diretora do Senado o projeto de lei que permite que valores enviados ilegalmente para fora do país nas últimas décadas sejam declarados ou repatriados sem que seus proprietários corram o risco de responder na Justiça por crimes como evasão de divisas. "Meu desafio é aprová-lo no Senado e operar na Câmara dos Deputados pela aprovação", afirma o senador, que diz não ter dúvidas de que agora a proposta será votada.

A repatriação de divisas já foi discutida no Congresso Nacional em duas oportunidades: na Câmara dos Deputados, em 2005, e no fim do ano passado, quando Delcídio Amaral apresentou a proposta pela primeira vez. Por motivos diversos, como o momento político inadequado e cenário de queda do dólar, que teria uma pressão ainda maior com a entrada em massa da moeda no país, não chegou a ser votada. Agora, ainda que a repatriação de recursos possa pressionar ainda mais o dólar, advogados que atuam no meio empresarial, cujos clientes têm interesse em trazer de volta valores não-declarados em contas no exterior, acreditam que a proposta será aprovada, pois esse dinheiro seria útil no financiamento de campanhas eleitorais face à escassez de recursos.

Defensor da possibilidade de repatriação de ativos à época em que ocupava a cadeira de ministro da Justiça, o advogado Márcio Thomaz Bastos diz que os recursos repatriados poderiam ou não ajudar no financiamento de campanhas eleitorais, mas que ampliariam enormemente a base fiscal, facilitando investimentos. "A incerteza econômica que vigeu no Brasil, se não justifica, ao menos explica que se tenha buscado esse caminho de enviar recursos ao exterior", diz. Segundo o ex-ministro, a pressão sobre o dólar poderia ser contornada com o uso do oportunismo fiscal: uma alíquota maior para a repatriação e menor para a declaração dos valores mantidos lá fora, por exemplo.

O texto do Projeto de Lei nº 354 reapresentado por Delcídio Amaral prevê mais benefícios para a repatriação de ativos do que a proposta original finalizada no ano passado e que acabou não sendo votada. Se aprovada como está, ela permitirá que pessoas físicas que declararem bens mantidos no exterior recolham 10% de Imposto de Renda (IR), alíquota que pode ser reduzida para 5% se os valores forem repatriados. No caso de valores não-declarados mantidos no Brasil, a alíquota para quem fizer a declaração é de 5%. Na proposta anterior de Amaral, as alíquotas eram de 8% e 15%, respectivamente. Outra alteração feita no projeto é a redução das alíquotas em 50% para as pessoas que aplicarem a metade do valor declarado em projetos de infraestrutura, habitação, agronegócio, inovação e pesquisa científica e tecnológica e bônus ou títulos de dívidas emitidas por empresas brasileiras no mercado externo. Na proposta anterior esse desconto estava previsto apenas no caso de aplicações em cotas de fundos de investimento.

Estima-se que existam hoje US$ 70 bilhões mantidos por brasileiros no exterior mas não-declarados, ainda que uma parte disso já tenha sido "repatriada" por meio de investimentos de fundos no mercado de capitais brasileiro e no imobiliário. Pela proposta, a declaração e repatriação do dinheiro extingue a possibilidade de punição por crimes contra a ordem tributária, econômica e financeira, descaminho, falsidade ideológica e contra a Previdência Social e Sistema Financeiro Nacional. De acordo com o advogado Leonardo Alonso, sócio do escritório Reale e Moreira Porto Advogados, há demanda para a repatriação de recursos. "Temos inúmeros clientes nessa situação que trariam seus recursos de volta", diz.

Tanto Delcídio Amaral quanto o deputado José Mentor (PT-SP) afirmam que há consenso nas duas casas legislativas para a aprovação do projeto. Mentor, autor de uma proposta semelhante na Câmara, diz que hoje as resistências à proposta que existiam no passado já foram superadas. E Amaral garante que a aprovação do projeto já está costurada na Câmara também. O projeto tramita de forma terminativa da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e segue para aprovação na Câmara.