Título: Lula antecipa no ABC o discurso da campanha para a sua sucessão
Autor: Totti , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2009, Política, p. A6

Convencido de que a campanha já começou, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem, em São Bernardo do Campo, SP, uma demonstração de qual será o discurso central do PT e aliados na disputa pela Presidência da República em 2010. A superação da crise será o mote, com uma torrente de números que avalizarão o sucesso econômico do governo, acompanhada de robustos indicadores de avanços sociais. "Marolinha", "espectáculo do crescimento", "preservação e fortalecimento dos bancos públicos" - estas expressões serão muito ouvidas da boca de candidatos do PT, a julgar pela importância que lhes emprestou o presidente, durante os 50 minutos de sua fala para prefeitos, empresários e dirigentes sindicais de sete cidades da região do ABC.

Estavam tomados os 432 lugares do teatro Cacilda Becker, em São Bernardo, onde se realizou uma reunião de balanço (positivo) do "Diálogo do ABC com o presidente", seminário instalado no auge da crise internacional para análise de medidas a serem sugeridas ao governo. Ao lado do presidente, no palco, estavam o ministro da Educação, Fernando Haddad, e o senador Aloizio Mercadante (PT-SP). A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, não compareceu, e o mesmo ocorreu com o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Ambos estavam no lançamento do seminário em março.

Seis os oradores precederam o presidente e um deles, William Pezinatto, presidente da Associação Comercial e Industrial de São Caetano, foi o primeiro a falar em "marolinha". "Quando Lula usou essa palavra, aqui mesmo no ABC, sua equipe já trabalhava para que a crise não se transformasse em tsunami", disse Pezinatto. O empresário destacou a atuação do BNDES no ABC e elogiou os bancos oficiais pela apoio os pequenos empresários durante a crise. Ao citar a marolinha, Pezinatto arrancou a segunda ovação da plateia.

Os primeiros aplausos ocorreram quando o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo - filiado à CUT -, Sérgio Nobre, anunciou que o troféu "João Ferrador" será entregue este ano ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, pelas medidas de desoneração de impostos à indústria automotiva e de linha branca, que mitigaram os efeitos da crise internacional na região. Antes dele, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André (ligado à Força Sindical), Cícero Martinha, comparou Lula a Pelé, cuja "visão periférica" permitia-lhe ver tudo o que ocorria num campo de futebol. Lula teria essa visão em relação ao país. Martinha acrescentou: "Enquanto a gente via empresário afrouxando, banqueiro afrouxando, Lula foi mesmo um caboclo muito macho para enfrentar a crise e derrotá-la".

Daqui para frente, o teatro político brasileiro terá, realmente, de acostumar-se com texto e roteiro de exacerbação da crise e um último ato de dramatização da superação. No discurso, o presidente destacou que os juros caíram em plena crise "e têm condições de cair ainda mais". Os juros reais estão agora a um terço do teto constitucinal (12%) estabelecido em 1998. E as reservas cresceram em lugar de sangrar e desaparecer como aconteceu em crises anteriores. Estão em US$ 113 bilhões, "fora os US$ 10 bilhões emprestados para o FMI". Outro exemplo: o crédito para consumo está nos 41%, um patamar recordista. "Há cinco anos", disse, "todo o crédito brasileiro era de R$ 380 bilhões. Hoje só o Banco do Brasil tem uma carteira de crédito de R$ 300 bilhões". Sobre exportações disse que quis ter um "ministro mascate", que "tirasse a bunda da cadeira, desculpem o palavrão" e fosse pelo mundo oferecer produtos brasileiros. Felizmente, na crise, o mercado interno serviu de contrapeso para a diminuição das exportações, disse.

Tudo isso aconteceu, segundo Lula, porque o governo praticou uma política econômica voltada para o desenvolvimento e procurou fortalecer os bancos públicos, recusando-se a seguir rumos anteriormente traçados que conduziam à privatização. Lula disse que cobrou do Banco do Brasil o financiamento de casa própria para os trabalhadores. "Não temos essa expertise", disseram. "Então comprem a expertise. O Corinthians precisava de um atacante e não comprou o Fofão? E o Banco do Brasil comprou a Nossa Caixa".

Lula considerou "cautela exagerada" ("vejam a minha delicadeza: cautela exagerada!") a reação dos empresários que, apenas 15 dias depois de começada a crise, passaram a demitir trabalhadores. Mas foi menos delicado com os banqueiros privados do Brasil e do mundo, classificando de "covardia" o "sumiço" do crédito. "Graças a Deus o Brasil estava preparado e os bancos públicos tiveram crédito para quem precisasse". Lula enfatizou também que o governador Serra e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, não deixam de reconhecer que compartilham recursos do PAC e de outros programas federais, pois, segundo o presidente, não haveria discriminação entre prefeitos e governadores "que tiverem bons projetos".

Em nenhum momento Lula abordou temas políticos e ao referir-se a seus críticos, preferiu o terreno da economia para a contestação. "Na fábrica da Ford, em 2004, falei em espetáculo do crescimento. Me ridicularizaram, mil chargistas tiraram sarro. E ninguém hoje me pede desculpas". Segundo o presidente, ele falou em espetáculo porque seu ministro da Fazenda de então, Antonio Palocci, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, lhe informaram sobre os sinais de crescimento. Realmente, em 2004, o país cresceu 5,7%, com juros anuais de 16,25%.

Esse é o discurso oficial. Se Lula o faz para enaltecer a atuação de Palocci e Meirelles, omite, porém, o dado de que ambos abortaram o crescimento em 2005: o juro subiu para 19,05% e o PIB caiu para 3,2%.