Título: Muito jogo para plateia e nenhuma solução
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2009, Opinião, p. A12

Movido por crises sucessivas desde o início da década, quando um de seus presidentes, Jader Barbalho (PMDB-PA), foi alvejado por denúncias e obrigado a renunciar ao mandato para manter seus direitos políticos, o Senado tem reagido de forma sempre discutível aos problemas que lá se acumulam. O que sobra para a história, depois de decisões destinadas antes a marketing político do que propriamente a uma profilaxia efetiva do Senado, é que a instituição nunca é o objeto de uma reforma efetiva porque isso representa, para quase todos os que ocupam gabinetes e assentos no plenário como representantes do povo, dificultar a vida eleitoral dos senadores.

Um lance de marketing foi a decisão do PSDB e do DEM, tomada ontem, de retirar todos os seus 15 integrantes da Comissão de Ética do Senado, em represália ao fato de a maioria dos seus membros terem referendado o engavetamento das 11 denúncias e representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Uma semana antes, um acordo entre os partidos garantiu que as representações contra Sarney seriam engavetadas junto com a apresentada pelo PMDB contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). Depois de uma ação rápida onde todos se salvaram, portanto, faz-se jogo para a plateia.

O lance seguinte foi todo montado sobre um outro lance de conveniência política, este jogado ao público há seis anos pelo senador Tião Viana (PT-AC). Na época, a ação foi contra a decisão do presidente da Comissão de Ética, Juvêncio da Fonseca, que se recusou a abrir investigação contra o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e deixou a decisão para a mesa do Senado, onde ACM tinha maioria. Viana propôs, então, acabar com o Conselho de Ética e remeter as decisões sobre as denúncias contra os senadores para o Supremo Tribunal Federal (STF), instância judiciária à qual se submetem todos os processos contra parlamentares federais. Junto com a água do banho, Viana propunha jogar a criança fora: o senador petista, para extinguir o Conselho, sugeria acabar com o Código de Ética e, junto, com todo o regulamento que tipifica quebra de decoro parlamentar. Era mais ou menos o seguinte: já que o Conselho não faz a sua parte, vamos expor a sua inutilidade, eliminando-o.

Seis anos depois (o projeto de resolução é de 2003), a proposta que teria por objetivo expor a ineficiência do Conselho de Ética pode ser usada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para livrar definitivamente os senadores do controle interno. "Tem que acabar com essa porcaria [Conselho de Ética]", afirmou em "O Globo" (25/8) o senador Wellington Salgado (PMDB-MG). "Se entrar em pauta o PMDB vota para acabar com esse troço". O PMDB, portanto, acena resolver definitivamente os problemas éticos de seus senadores que corriqueiramente provocam crises no Senado simplesmente eliminando o Conselho de Ética.

Como o relator do projeto de resolução na Comissão de Constituição e Justiça é o senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), da oposição, o projeto está sendo integralmente substituído. Isso dificulta a promessa do PMDB de eliminar o Conselho de Ética, mas vai à votação um que atende à conveniência imediata do PSDB e do DEM: a maioria da "tropa de choque" do PMDB é composta por suplentes de senadores, então resolva-se o problema proibindo suplentes cujos titulares dos mandatos não morreram, nem renunciaram, de participar do Conselho de Ética. Isto é, em vez do Senado aproveitar a crise para rever a esdrúxula regra de suplentes sem voto, dá-se ao suplente, que constitucionalmente substitui o senador, um mandato pela metade, proibindo-o de assumir determinadas funções.

De todas as alternativas que serão analisadas hoje pela Comissão de Constituição e Justiça, nenhuma tem potencial - ou remete à intenção de qualquer partido - de dotar o Senado dos instrumentos políticos necessários para evitar outras crises do gênero no futuro. Espera-se que não seja necessária uma crise maior ainda que essa, ou soluços mais frequentes no funcionamento das instituições, para que governo e oposição cumpram o seu papel de governar, fazer oposição e zelar pela ética das instituições, e parem de enxergar o eleitor como um espectador incapaz de interagir com seus representantes a não ser pelo espetáculo.