Título: Projeto de Orçamento prevê arrecadação recorde de tributos
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2009, Brasil, p. A6

O projeto de Orçamento da União para 2010, a ser entregue hoje ao Congresso, pressupõe que a arrecadação de tributos administrados pela Receita Federal não só voltará a crescer como ultrapassará o recorde alcançado em 2008 como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). A expectativa é que, excluídas contribuições à Previdência (agora também fiscalizadas pelo orgão), sejam arrecadados pela Receita o equivalente a 16,4% do PIB no ano que vem.

A última estimativa oficial conhecida para este ano, divulgada em julho, sinaliza que esse grupo de receitas somará 15,29 % do PIB em 2009. De acordo com a nova proposta orçamentária, portanto, haveria salto superior a um ponto percentual do produto.

Para o economista José Consentino Tavares, consultor de orçamento da Câmara dos Deputados, é normal que o governo trabalhe com expectativa de recuperação em relação a 2009, pois a arrecadação federal deste ano foi afetada pelos efeitos da crise financeira sobre a capacidade contributiva de empresas e famílias. Por outro lado, considerando que essa é uma referência para dimensionar a despesa, ele vê motivo de preocupação no fato de o Executivo contar com volume superior ao de 2008, ano em que a receita administrada, expurgada de contribuições previdenciárias, atingiu 16,14% do PIB, nível mais alto da história.

"Vamos ver em que se baseia esse otimismo. Em princípio, acho irrealista", reagiu Consentino, referindo-se aos 16,4% do PIB previstos no projeto. Ele acha difícil que se consiga superar 2008, pelo menos como proporção do PIB, mesmo que a economia cresça 4,5% em termos reais (como prevê a proposta ) e que as desonerações tributárias com prazo definido de duração não sejam prorrogadas.

O consultor defende que "o ideal seria mais cautela" , porque "o ano de 2008 foi atípico". O nível da arrecadação teria sido extraordinário e, portanto, não sujeito a repetição (pelo menos não em 2010), por causa da "abundância de ganhos de capital" , resultado da valorização anterior de imóveis e ações. A essa valorização somaram-se grandes operações de lançamento de ações por diversas empresas, o que inflou a base de tributos sobre a renda. Ele lembra que parte das medidas de desoneração tributária , como as relacionadas a investimentos, são permanentes.

O economista José Roberto Afonso, consultor do PSDB, também avalia que "não é prudente" pressupor, na lei orçamentária de 2010, que a receita como proporção do PIB será superior ao que foi em 2008. Tomando como referência a variação como fatia do PIB e também sobre a inflação do IPCA, ele fez uma análise do comportamento visto no primeiro semestre deste ano, comparativamente a iguais períodos desde 2000. Encontrou sinais de que a crise e as desonerações não foram suficientes para explicar a magnitude da queda ocorrida em 2009. Isso significa, segundo ele, que a redução pode não ser apenas conjuntural, mas ter também elementos estruturais. Em outras palavras, o que ocorre em 2009 pode não ser apenas um rebaixamento provisório, mas também permanente de nível da receita administrada como proporção do PIB.

Um primeiro sinal de que a contenção da receita pode estar associada não só à crise é a dispersão das variações por macrossetor da economia, sobretudo em relação a 2008. Alguns, como a indústria de transformação, contribuíram muito mais do que outros para a redução vista em 2009. Ele chama atenção também para o fato de que a receita oriunda do setor do petróleo já vinha registrando queda real antes da crise.

Afonso ressalta a volatilidade registrada pelos tributos sobre a renda (IRPF, IRPJ e CSLL). "Esse bloco foi decisivo tanto para os ganhos até setembro de 2008 quanto para a queda contínua a partir de outubro", diz. Como Consentino, ele vê nisso uma evidência do caráter atípico da forte arrecadação de 2008. A curva dos demais tributos, cuja receita não oscilou tanto, reforça a tese, pois mostra que aqueles mais vinculados à produção (PIS, Cofins, etc) "não estariam caindo tanto quanto aqueles mais sensíveis aos ganhos financeiros".

O governo tem apontado as desonerações tributárias como fator importante de queda na receita. Mas Afonso constatou que o impacto da desoneração do IPI para automóveis, por exemplo, foi inferior à queda na arrecadação oriunda de atividades vinculadas à indústria automotiva. Assim, a volta da tributação a patamares anteriores não seria capaz de repor a perda, muito menos elevar a arrecadação comparativamente a 2008.

O Executivo prefere esperar a divulgação do Orçamento para se pronunciar oficialmente sobre as previsões. Uma das fontes governamentais ouvidas pelo Valor não vê excesso de otimismo. Argumenta que a previsão de 16,4% do PIB para 2010 é igual à que se previa originalmente para 2009 e que foi frustrada pela crise.. Na visão dessa autoridade, a crise representou "atraso" de um ano na evolução prevista da receita.