Título: O Brasil dos importados
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 02/06/2010, Economia, p. 10

Com mais dinheiro no bolso, brasileiros compram de tudo do exterior. Só a aquisição de carros cresceu 72,5% nos cinco primeiros meses do ano

Um breve passeio pelas vias de Brasília ou pelas principais capitais do país é suficiente para observar que o brasileiro está trocando de carro. E mais, que aumentou o número dos que preferem os importados. Uma olhadela na balança comercial do mês passado ¿ registro das trocas comerciais entre o Brasil e outros países ¿ confirma tal constatação. Apenas no mês passado, a importação de automóveis cresceu 72,5% quando comparada ao mesmo período de 2009. O item figura na lista das mercadorias que mais impulsionaram as compras externas brasileiras, que vão de camisetas a eletrodomésticos sofisticadíssimos.

Nos primeiros cinco meses do ano, a compra de carros de países estrangeiros aumentou 75,1% e os países que mais estão mandando sua produção para cá são Argentina, México e Coreia do Sul. Os veículos puxaram as importações dos bens de consumo (produtos fabricados fora do país prontos para serem vendidos no mercado interno), que aumentaram 55% ante maio de 2009 e somaram US$ 2,4 bilhões no mês. O valor representa compras de US$ 116 milhões por dia. No ano, as importações na mesma categoria de produtos aumentaram 47,2%s sobre os primeiros cinco meses do ano passado, somando US$ 11,2 bilhões.

Para André Sacconato, economista da Consultoria Tendências, as importações não devem ser vistas como um fator negativo, mesmo que representem menor saldo comercial. ¿O brasileiro está ficando relativamente mais rico do que os moradores de alguns países (em função da valorização do real) e é normal que se importe mais¿, disse. Além disso, acrescentou o analista, as importações ajudam combater a inflação, evitando o desabastecimento, ao suprir os setores em que a produção nacional não está dando conta. Elas também contribuem, no limite, para aumentar o preço do dólar, o que, em tese, favorece o exportador.

Semestre forte A balança comercial registrou superavit de US$ 3,4 bilhões em maio, maior saldo positivo desde junho de 2009 (US$ 4,6 bilhões), graças, principalmente, ao aumento de quase 100% do minério de ferro. O desempenho decorreu de exportações de US$ 17,7 bilhões e de importações de US$ 14,2 bilhões. No acumulado do ano, o saldo comercial caiu 40,2%, chegando a US$ 5,6 bilhões, resultado de US$ 72,1 bilhões em embarques para o exterior e US$ 66,4 bilhões em compras de outros países.

Apesar do avanço na demanda de bens de consumo, as importações caíram 2,1% em relação a abril, principalmente porque o ritmo de crescimento dos gastos nacionais com matérias-primas e produtos intermediários, como insumos utilizados na indústria e na agricultura, desacelerou entre os dois meses. De acordo com a avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o ritmo de aumento das aquisições desses produtos passou de 64,6% em abril para 45,6%.

As matérias-primas e os intermediários são os produtos que mais pesam ¿ representam 47,2% da pauta ¿ nas importações nacionais. Em contrapartida, as compras de bens de capital (maquinário) continuaram tomando impulso, com peso de 35,9%, maior percentual desde outubro de 2008, quando a crise internacional ainda não afetava diretamente o consumo de máquinas e equipamento. A aceleração desse tipo de gastos significa mais investimentos na ampliação dos parques produtivos do país.

A avaliação do secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, é de que é as importações tendem a se manter fortes, especialmente no segundo semestre, devido à festas de fim de ano.

A Ásia é o bloco que mais cresce entre os parceiros comerciais no que diz respeito às compras brasileiras. No mês passado, as importações vindas de lá aumentaram 79,2%, para US$ 4,5 bilhões. Só a China, isoladamente, aumentou as importações para o Brasil em 64,8% no mesmo período, para US$ 1,8 bilhão.

Efeitos da crise

A falta da dimensão exata dos efeitos que a crise na Europa pode ter sobre o comércio mundial e sobre as exportações brasileiras fez o governo revistar a meta de embarques de produtos para outros países, de US$ 168 bilhões para US$ 180 bilhões neste ano, conforme admitiu o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral. ¿Poderíamos ter colocado uma meta mais ambiciosa, mas os efeitos da crise precisam ser melhor observados¿, afirmou.

Apesar de o país ter se saído melhor da recessão de 2009 em relação à maior parte do mundo, o governo sofre, desde então, para recuperar mercado em destinos tradicionais das exportações brasileiras, como os Estados Unidos e a União Europeia. Para Barral, o resultado até maio mostra que o Brasil conseguindo ampliar suas vendas, mas a qualidade delas não é a desejada, pois estão concentradas em itens básicos, como petróleo, minério de ferro e soja em grão, que têm um nível menor de processamento em indústrias do país e, portanto, acabam sendo vendidos por preços menores do que bens industrializados.

Na avaliação do secretário, além de as commodities terem menor valor agregado, depender muito da venda desses mercadorias deixa o país mais vulnerável a variações de preços no mercado internacional. Uma queda mais forte pode prejudicar a balança brasileira. ¿Não existe problema em exportar commodities, o problema é exportar só commodities¿, explicou.

Variação menor O economista da Consultoria Tendências, André Sacconato, discorda. ¿Sou contra qualificar as vendas externas. Exportações boas são aquelas que atraem divisas para o país. É na área de commodities que o Brasil tem hoje maior competitividade. Se o governo está preocupado com isso, tem que começar a discutir melhorias para os exportadores¿, ponderou. A seu ver, o governo é o maior culpado em transformar o país em um grande exportador de commodities.

Sacconato acredita ainda que há ainda uma tendência natural de os preços de insumos básicos sofrerem menos com as oscilações do mercado internacional. ¿Se você tomar como exemplo a crise de 2008 e 2009, perceberá que as commodities sentiram bem menos do que os produtos industrializados¿, destacou. Somente em maio, as exportações de petróleo, minério de ferro e soja cresceram, juntas, 83,3% quando comparadas com igual período do ano passado. Os três produtos, sozinhos, foram responsáveis por 53,4% do crescimento das exportações no período. (GC)