Título: De olho em Dilma 2010, Lula faz apelos nacionalistas
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2009, Brasil, p. A6

O anúncio do marco regulatório do pré-sal teve a medida exata para se tornar o grande ativo político da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) na campanha para presidente, candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a sua sucessão, em 2010. Lula investiu forte no discurso nacionalista e antiprivatista, como fez no segundo turno das eleições de 2006, quando insinuou que seu adversário, o tucano Geraldo Alckmin, venderia o Banco do Brasil, a Petrobras e outras estatais, se fosse eleito.

O presidente classificou o 31 de agosto como "um novo dia da independência", e o pré-sal como um "bilhete premiado" e uma "dádiva de Deus". À certa altura, depois de elogiar o ex-presidente Getúlio Vargas pela criação da Petrobras, exaltou: "Bendito nacionalismo". Esse deve ser um dos eixos da campanha eleitoral. Pela manhã, durante reunião do Conselho Político, o presidente pediu pressa aos líderes e presidentes de partido na aprovação das novas medidas, encaminhadas ao Congresso com urgência constitucional. "Precisamos que elas entrem em vigor ainda durante o meu governo" pediu, segundo relato feito ao Valor por participantes da reunião.

O anúncio do marco regulatório não foi a grande festa programada. Foram convidadas 3.000 pessoas, entre autoridades e artistas. No auditório do Centro de Convenções Ulysses Guimarães não havia nem um terço disso. E 18 dos 27 governadores apareceram.

O presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), que compôs a mesa ao lado de Lula durante a apresentação do pacote, declarou: "Este é um projeto extraordinário! Podemos comemorar 50 anos depois um novo mote nacionalista: o pré-sal, presidente, é nosso".

Enquanto Temer discursava, o Greenpeace protagonizou o único protesto da tarde. Dois militantes do movimento ambientalista driblaram a segurança, subiram ao palco e, ao lado do presidente, estenderam uma faixa amarela, em que se lia: "Pré-sal e poluição: não dá para falar de um sem falar do outro". Realizado o protesto e, sem objeção dos seguranças, entregaram a faixa a Lula.

Na solenidade, Lula deu o tom do que espera para a campanha eleitoral: a comparação entre um governo nacionalista, que defende suas grandes empresas (o seu), e os oito anos do tucano Fernando Henrique Cardoso. Foi o governo de FHC que em 1997 aprovou a quebra do monopólio da Petrobras na exploração do petróleo. "Naquela época, adoradores do mercado estavam em alta, a presença do Estado estava em baixa", afirmou Lula. "Altas personalidades chegaram a dizer que a Petrobras era o último dinossauro a ser desmantelado", disse o presidente, sem no entanto identificar quais foram essas "altas autoridades".

Lula destacou o que, em sua opinião, seria uma submissão do país a interesses externos, tanto que se cogitou alterar o nome da Petrobras para Petrobrax. "Tempos de pensamento subalterno, no qual o Brasil não conseguia crescer, sofria com altas taxas de juros e não tinha reservas internacionais". A dificuldade também se refletia na Petrobras, que não conseguia, segundo ele, capitalizar-se internacionalmente e ainda padecia com o barril cotado a US$ 19 (atualmente a cotação está em US$ 65).

Feito sob medida para alavancar a candidatura de Dilma a presidente, o marco regulatório do pré-sal será também um teste da capacidade da ministra para negociar e aprovar os quatro projetos no Congresso. O pré-sal pode se tornar o seu maior ativo político nas eleições. Mas também criar dificuldades para sua candidatura.

Desde já se antevê uma batalha que pode paralisar o Congresso, nos 45 dias que cada Casa terá para analisar e votar os projetos. Mas a ministra leva uma vantagem: está com a maioria. Na regulamentação prevista no projeto de Lula, os royalties do pré-sal serão divididos por todos os Estados, sem privilégio aos Estados produtores, como é atualmente. No Senado, Rio, São Paulo e Espírito Santo têm apenas 12 dos 81 senadores. Na Câmara, um quarto dos deputados. A negociação não ficará apenas sob o encargo de Dilma, mas é com ela que se identifica o projeto do pré-sal.

"Desde o primeiro instante cuidamos com carinho do nosso querido dinossauro", disse Lula. A Lei do Petróleo vigora desde 1997, mas segundo o presidente foi graças ao modo diferente de seu governo encarar a questão o que levou a Petrobras a se tornar a maior empresa do país, a quarta maior do mundo ocidental no setor de petróleo e a segunda petrolífera mundial em valor de mercado.

"A Petrobras descobriu as reservas do pré-sal, um feito extraordinário, que encheu de admiração o mundo e de muito orgulho os brasileiros. É uma empresa com crédito e autoridade internacionais. Nos últimos meses, levantou cerca de US$ 31 bilhões em empréstimos. Seus investimentos previstos até 2013 somam US$ 174 bilhões".

Lula disse que a descoberta das jazidas petrolíferas é uma "dádiva de Deus" que, se bem exploradas, as riquezas delas decorrentes podem melhorar a qualidade de vida do povo. "Estou seguro de que o povo brasileiro entrará de corpo e alma nesse debate."

O presidente advertiu, no entanto, que se não forem tomadas as decisões acertadas, "o bilhete premiado pode transformar-se em fonte de enormes problemas". Para evitar esses riscos, o presidente deu três diretrizes básicas à comissão interministerial que discutiu os projetos. " O modelo de exploração tem de assegurar que a maior parte da renda gerada permaneça nas mãos do povo brasileiro", disse Lula. A segunda diretriz é que o Brasil não vai se transformar em um mero exportador de óleo cru. "Ao contrário, vamos agregar valor ao petróleo aqui dentro, exportando derivados". Por último, cautela nos gastos das novas reservas.

"Não vamos nos deslumbrar e sair por aí, como novos ricos, torrando dinheiro em bobagens. O pré-sal é um passaporte para o futuro. Sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações, a cultura, o meio ambiente, o combate à pobreza e uma aposta no conhecimento científico e tecnológico, por meio da inovação. Vamos investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso e promissor: nossos filhos, nossos netos, nosso futuro". Para atingir estes objetivos, o governo vai, de acordo com Lula, criar um Fundo Social, "uma megapoupança cujos rendimentos serão canalizados".

O discurso de Lula foi todo entremeado de críticas aos tucanos e à política de privatizações do PSDB e elogios aos nacionalistas. "As pessoas que não deram ouvidos às aves de mau agouro que, durante décadas, apregoaram aos quatro ventos que o Brasil não tinha petróleo, e aqueles que saíram às ruas em todo o país na campanha do "o petróleo é nosso", levando o presidente Getúlio Vargas a instituir o monopólio estatal do petróleo e a criar a Petrobras".