Título: É do acionista ou do governo?
Autor: Rosa , Silvia
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2009, EU & Investimentos, p. D1

O plano de capitalização da Petrobras, estudado para levantar recursos para investimento no pré-sal, envolve muitas incertezas e pode trazer riscos aos minoritários ao transferir o ônus dos investimentos para o colo dos investidores. O valor de mercado da estatal caiu R$ 13 bilhões ontem, para R$ 306,5 bilhões.

Segundo o projeto apresentado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a capitalização será feita em duas etapas. A primeira envolverá uma emissão de ações da Petrobras em que o governo vai subscrever o equivalente a até 5 bilhões de barris de petróleo, em títulos públicos ou capital, e integralizá-los no capital da companhia. A ideia é que, em princípio, seja usada uma cotação de referência de US$ 10 por barril, o que faria o aporte de capital do governo na estatal atingir US$ 50 bilhões.

Para não terem sua participação no capital diluída, os minoritários teriam de acompanhar o governo na subscrição de ações. Hoje o governo detém 32,21% do capital da estatal, com 55,71% das ações ordinárias (com voto).

Segundo Ricardo Almeida, professor de finanças do Insper, caso os minoritários não acompanhem o governo nessa capitalização, a União poderia aumentar sua participação para 66% das ações ON, passando deter 67% do capital total da empresa.

A participação dos cotistas dos fundos FGTS-Petrobras foi outra questão que surgiu com força entre os participantes do mercado. Criadas em agosto de 2000, as carteiras concentram mais de 100 mil aplicadores, que detêm 2,11% do capital da Petrobras.

Para preservar os direitos desses cotistas, o governo precisaria permitir que os trabalhadores utilizassem os recursos do FGTS. "Os trabalhadores teriam que ter o direito de fazer a aquisição", afirma Edson Garcia, vice-presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec).

A ministra da Casa Civil, no entanto, afirmou que os investidores não poderão utilizar esses recursos para a compra de ações.

Segundo Almir Barbassa, diretor financeiro da Petrobras, a parte do governo que entrar no caixa da companhia vai "comprar" os 5 bilhões de barris de petróleo e gás, enquanto o dinheiro dos minoritários será destinado a investimentos.

A dúvida que se coloca, no entanto, é qual o valor que a estatal terá que pagar à União pela compra de até 5 bilhões de barris de óleo equivalente.

"Não faz sentido falar em preço nesse estágio, sem que se tenha a classificação técnica dessas reservas e a limitação geográfica das áreas", afirma Marilda Rosado, coordenadora de cursos de direito do petróleo e gás no Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e sócia do escritório Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados.

Para Garcia, da Amec, uma solução para reduzir o risco dos acionistas minoritários seria submeter a avaliação do preço desse ativo a esses investidores. De acordo com o artigo 115 da Lei das Sociedades por Ações, "o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social".

Nesse caso, a União teria que se abster na votação na assembleia, por caracterizar conflito de interesse, deixando a aprovação do preço apresentado no laudo de avaliação desse ativo para os acionistas fora do bloco de controle.

Na apresentação oficial, o governo diz que o preço das reservas será reavaliado no prazo máximo de 24 meses após a transferência. Se o preço subir, a Petrobras pagará a diferença para a União. Se cair, a estatal será reembolsada pelo governo.

A Petrobras e a União assinarão contrato em que serão determinados a delimitação geográfica das áreas, o valor a ser pago pela cessão, as condições para a reavaliação do valor da cessão e as condições do pagamento a ser efetuado pela Petrobras à União, segundo comunicado da estatal.

Para convencer o investidor a colocar recursos novos numa megaoperação de capitalização, a Petrobras deve conceder um desconto da ordem de 20% às ações, calcula o consultor de investimentos Paulo Bittencourt. Tomando-se como base o fechamento de sexta-feira, o preço de subscrição seria de R$ 26,00. Se o pior cenário se concretizasse e a oferta correspondesse a 30% da base atual, quando os papéis emitidos efetivamente começassem a ser negociados no pregão teriam um deságio de 11,4% em relação à sexta-feira, no caso das preferenciais (PN, sem voto), e, de 19,1% nas ordinárias (ON, com voto). "Quanto maior a operação, maior o desconto, pois é um caminhão de dinheiro envolvido num projeto que não é de execução imediata, fala-se em dez anos, é um grau de incerteza muito grande", argumenta.

O descasamento entre esse primeiro anúncio até a tramitação no Congresso, encaminhamento na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e efetiva concretização da oferta, que pode ocorrer só em 2010, é outro fator que deve pesar contra as ações nos próximos meses, pondera Bittencourt. O minoritário, por sua vez, fica entre a cruz e a espada: se não acompanhar o aumento de capital vai ter o valor do seu investimento automaticamente diluído. Se acompanhar, terá de torcer para que a ideia dê certo, para que a Petrobras tenha capacidade de atrair grandes parceiros e que a ação se valorize mais do que o deságio que houver na subscrição.

Por conta das incertezas que devem permear a capitalização que, do lado do Tesouro, vem lastreada em barris de petróleo, Ricardo Martins, chefe de análise da Planner Corretora, decidiu reduzir o peso das ações da Petrobras no seu portfólio recomendado. "Fiquei desconfortável com o aumento de capital", admite. "É uma operação imensa por conta de investimentos de longa maturação, não condiz com a realidade do minoritário aportar recursos diante de retornos de tão longo prazo."

A primeira reação do mercado foi aparentemente negativa. As ações ON caíram 4,47%, a R$ 37,53, enquanto as PN, 3,59%, fechando a R$ 31,38. Max Bueno, da Spinelli Corretora, credita tal desempenho mais ao movimento do setor de energia - as cotações do petróleo caíram no mercado internacional - do que ao novo modelo para exploração de petróleo no país. Para o analista, o novo marco regulatório que se desenha é benéfico para a estatal, que será a operadora dos blocos, podendo ter participação exclusiva ou minoritária pelo sistema de partilha. Embora a falta de detalhes da capitalização represente um ruído inicial, ele não vê, por ora, razões para revisar as cotações ou rebaixar a indicação para os papéis e sugere que o minoritário acompanhe o aumento de capital. "O pequeno investidor que tenha as ações da Petrobras no intuito de formação de patrimônio e não tem interesse em participar gestão, a diluição é um detalhe.