Título: Rio reage à projeto que omite participações especiais
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 03/09/2009, Política, p. A7

A capitalização da Petrobras com 5 bilhões de barris de petróleo e gás, o equivalente à metade ou um terço das reservas provadas da companhia, levará o Brasil a ter um terceiro regime exploratório, o da cessão direta de direitos de exploração que vai conviver com a concessão e a partilha de produção. Ao ceder esses barris para a Petrobras sem licitação e sem os benefícios da partilha, a União estará exercendo diretamente seu monopólio transferindo recursos à estatal. Essa medida, prevista no projeto de lei que trata da capitalização da Petrobras, tira uma fonte riquíssima de recursos dos Estados e municípios, já que está previsto apenas o pagamento de 10% de royalty em referência à Lei 9.478/97 (Lei do Petróleo), sem mencionar o pagamento da Participação Especial (PE), cujo pagamento é previsto no artigo 50 da mesma Lei.

O secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio, Julio Bueno, disse que o Estado não vai aceitar essa medida. "Isso é um absurdo, inaceitável", resumiu Bueno ontem antes de viajar para Brasília onde vai se encontrar com a bancada fluminense na Câmara e no Senado. " Os royalties serão pagos pela Petrobras e distribuídos no termos da Lei. Portanto, vamos pagar royalties. Aqui só fala em royalty, o que está aqui no projeto de lei é isso, só paga royalty. No projeto. O que vai acontecer depois, eu não sei", explicou o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli.

A PE é uma indenização pela produção de petróleo, gás ou ambos de campos altamente produtivos. Ela tem alíquota progressiva que pode chegar a 40% da receita líquida obtida da produção de petróleo em determinada área. Para se ter uma idéia de valores, a iniciativa do governo do Rio de cobrar, retroativamente, a PE devida pela produção de petróleo no campo de Marlim entre 1998 e 2002 gerou uma briga bilionária. Atendendo reivindicação do governador Sergio Cabral assim que assumiu o cargo, em 2007, a ANP concordou que existiam pagamentos devidos e não realizados nesse período que somavam R$ 1,3 bilhão. A esse valor serão acrescidos multa, juros e correção monetária retroativos a agosto de 1998, quando a Lei do Petróleo foi promulgada. A Petrobras recorreu da decisão da ANP e o assunto agora está sob arbitragem da Câmara de Conciliação da Advocacia Geral da União (AGU).

A transferência à Petrobras de 5 bilhões de barris depositados em áreas não licitadas do pré-sal sem o pagamento da PE também vai influenciar, indiretamente, a capitalização da companhia. Isso porque quanto mais valerem os barris, maior será o volume financeiro da capitalização e, portanto, dos recursos que ela vai receber, e precisa, para investir. Como explicou Gabrielli, o sistema de cessão onerosa prevê que a União ceda à Petrobras até 5 bilhões de barris. A Petrobras pagará por esses barris depois de uma avaliação que levará em conta o valor desse petróleo onde está, ou seja, a quase 7 mil metros de profundidade, a uma distância de 300 quilômetros da costa, entre outros problemas logísticos e operacionais. O executivo explicou que para definir o valor de cada barril hoje será considerado o ambiente fiscal, entre outros fatores como volume de óleo, a curva de produção, investimentos, custo de produção, taxa de desconto, o grau de desenvolvimento das reservas e o conhecimento sobre elas. Tudo isso acrescido de cenários sobre preço futuro. E sem a PE, obviamente esses barris terão menos custo de produção. Se ela for aplicada, a Petrobras e seus acionistas pagarão mais barato por esse óleo, já que ele terá esse custo embutido. Removendo a PE, eles pagarão mais caro, o que significa que a União será beneficiada indiretamente por essa redução de custos de sua controlada, recebendo mais dividendos.

Gabrielli explicou que para concluir a capitalização da Petrobras a União terá que indicar a localização desses 5 bilhões de barris, que estão em uma parte dos 107 mil quilômetros quadrados de pré-sal não licitado. A Petrobras admite que essas reservas poderão vir das áreas adjacentes às descobertas já feitas como Tupi, Iara e Guará, justo as que entrarão primeiro em produção no longínquo pré-sal. É quase certo que esses reservatórios terão que ser objeto de um acordo de individualização da produção, ou unitização, no jargão do mercado. A ANP já havia se manifestado sobre o tema informando extra-oficialmente que a Petrobras não teria permissão para iniciar a produção comercial de Tupi ou qualquer campo que seja "unitizável" antes de um acordo com os sócios. Aí, a questão é sensível porque o "novo sócio" da BG, Galp e Repsol, por exemplo, é justamente União. Gabrielli diz que os 5 bilhões de barris não virão, necessariamente, das áreas não licitadas próximas às descobertas, mas dá a entender que isso é o mais provável. " É claro que as áreas unitizáveis são as que nós temos mais conhecimento hoje. Mas não necessariamente será em áreas unitizáveis", explicou. "Quanto mais conhecimento prévio existir dessas áreas (que abrigam os 5 bilhões de barris), mais valor terá o barril. É evidente que a União, que vai exercer o seu monopólio na exploração, vai querer só colocar áreas em que tem mais conhecimento. Quanto menos conhecimento tiver, menor o valor do barril. O conhecimento do reservatório é um elemento importante na valoração", diz Gabrielli.