Título: Capitalização da Petrobras segue polêmica
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 03/09/2009, EU& S.A., p. D3

O mercado ainda não conhece os detalhes da capitalização da Petrobras, mesmo depois de três dias em que a estatal só fala sobre o modelo de exploração do pré-sal. Ontem, em teleconferência com analistas, Sérgio Gabrielli, presidente da companhia, elucidou dois dados importantes.

O primeiro é que a capitalização e a aquisição dos direitos de exploração dos até cinco bilhões de barris do pré-sal ocorrerão simultaneamente. Esse é o desejável e o objetivo, segundo ele. O segundo dado é que a fatia da União no aumento de capital - que será paga com títulos públicos - deve corresponder à avaliação dos direitos adquiridos. Ou seja, os cinco bilhões de barris serão iguais a 32,2% do aumento de capital - equivalente à fatia da União na estatal.

Com isso, a entrada dos títulos públicos que serão utilizados pela União para pagar sua parte no aumento de capital será quase "virtual". Os papéis entram na empresa como pagamento da União pelas novas ações do aumento de capital, e a empresa devolve os papéis ao governo em seguida para pagar os direitos de exploração.

Pela Lei das Sociedades por Ações, é possível comprar as ações de um aumento de capital com bens. Para isso, os demais acionistas, que terão que pagar em dinheiro a sua fatia, precisam aprovar a avaliação desse ativo - ou seja, o valor atribuído a ele. Não há nenhuma necessidade de mudança da legislação para isso.

"Não fere a lei", diz o jurista Modesto Carvalhosa, um dos consultores contratados pela Petrobras para a operação. A única modificação na Lei das S.A. envolvida nesse processo, de acordo com Modesto, é a permissão para que um acionista pague as ações do aumento de capital com um título de dívida próprio, como é o caso da União com o título público.

Porém, ao usar os títulos públicos como intermediários, a Petrobras evitou que os acionistas - e, neste caso, os minoritários - precisem avaliar o preço atribuído aos 5 bilhões de barris. Isso porque o ativo usado na capitalização não será o petróleo diretamente, e sim os papéis do governo. "Os acionistas não votam essa questão [barril], porque é um contrato comercial. Teriam que votar o assunto se fosse a troca dos direitos pelas ações", admitiu Gabrielli na teleconferência.

A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) defende que qualquer que seja o bem precisará passar pelo crivo dos minoritários - inclusive o título público. Edison Garcia, superintendente da associação, explica que não há polêmica nisso. "Está no artigo 115 da Lei. É ponto pacífico."

Entretanto, a grande questão dessa operação está na avaliação dos direitos de exploração. Ao transformar isso num contrato comercial, uma aquisição de direitos, a Petrobras ganha a liberdade de aprovar o negócio apenas com a decisão do conselho de administração. Isso porque o bem usado na operação - e passível de análise - serão títulos públicos, e não os barris de petróleo.

Mauro Cunha, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), defende que a Petrobras submeta o contrato com a União aos demais acionistas, sem o voto do controlador. "Estamos falando, provavelmente, do maior contrato com parte relacionada da história."

Ele lembra que os acordos dentro de um mesmo grupo ou envolvendo uma empresa e seu sócio - como é caso - representam um conflito em potencial. Nesse caso, dada a proporção do negócio, apenas um laudo e uma certificação não resolvem. Seria muito saudável para o mercado que a Petrobras desse um exemplo de boas práticas e fosse além do que pede a lei. "Não é qualquer empresa, é a maior do mercado brasileiro."

Tudo na operação do pré-sal e na Petrobras é em proporções gigantes. Ainda não sabe o valor do aumento de capital. Mais uma vez, Gabrielli disse que não é possível fornecer nenhuma indicação sobre isso neste momento.

A falta de clareza sobre essa etapa societária é o que mais tem incomodado o mercado. Houve até mesmo informações truncadas.

Na apresentação utilizada pelo governo na segunda-feira, a página 35 informa que o dinheiro aportado pelos minoritários no aumento de capital ficaria com a União. Nesse caso, seria o equivalente a dizer que a capitalização teria valor igual ou próximo ao dos direitos de exploração.

Contudo, há dois dias, a companhia sustenta publicamente que o valor dos barris deve ser igual ou próximo apenas à fatia da União na Petrobras, para que os recursos dos minoritários fiquem no caixa da empresa. Um gráfico informando isso consta, inclusive, do material utilizado na coletiva de imprensa de terça-feira.

De qualquer maneira, o valor da capitalização será de dezenas de bilhões - com potencial de alcançar a casa da centena. É desse volume que vem a crença de que ao fim do processo a União ampliará sua participação na Petrobras. O mercado não teria liquidez suficiente para absorver a transação.

O preço de emissão das novas ações será determinante na decisão dos minoritários de acompanhar a operação. A Lei das S.A. prevê que esse valor seja fixado sem causar diluição injustificada. Isso quer dizer nem tão alto que não guarde relação com a realidade e nem muito baixo. Vale lembrar que quanto menor o preço maior a quantidade de ações emitidas.

Os valores estimados para a capitalização variam significativamente, de US$ 31 bilhões a mais de US$ 120 bilhões, ou seja, quase dobrar a capitalização da estatal.