Título: Retomada antecipada
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2009, EU & Investimentos, p. D1

O apetite dos investidores estrangeiros por Brasil veio com tanto vigor neste segundo semestre que encorajou algumas companhias a retomar os projetos de abertura de capital. E não são operações com o mesmo fôlego e visibilidade que a da VisaNet, que movimentou R$ 8,3 bilhões. A maioria das ofertas iniciais previstas para este ano será abaixo de R$ 1 bilhão, lembrando os tempos de euforia. A empresa de tecnologiaTivit, a incorporadoraDirecional Engenharia, a Cetip, e a de empresa de serviços financeiros Brazilian Finance & Real Estate já pediram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o registro das operações.

A agitação é sinal de que a janela para captações por novatas abriu antes do que se imaginava. Quando as primeiras colocações de ações começaram neste ano - e apenas por empresas já listadas - os especialistas acreditavam que somente em 2010 haveria espaço para aberturas de capital, dado o nível de exigência dos investidores e a intolerância a risco. No começo do ano, o discurso era de que somente grandes e poucas operações poderiam ter sucesso em 2009 e desde que movimentassem entre R$ 2 bilhões e R$ 5 bilhões. Agora, da lista conhecida, só a oferta da Cetip deve atingir a casa do bilhão.

Como o cronograma do segundo semestre é mais apertado, aquelas que já estavam se preparando antes da crise têm condições de tirar a poeira dos documentos com agilidade. Mas há empresas que estavam nessa rota e não tinham pedido registro ao regulador, e agora decidiram que é chegada a hora.

Desde meados de 2007, quando a crise deu seus primeiros sinais e a peneira dos investidores ficou mais fina, ficaram para trás cerca de 40 ofertas de ações, cujos processos chegaram a ser iniciados na CVM. Dessas, quase 30 eram aberturas de capital.

Para conseguir colocar o dinheiro no bolso ainda este ano, as candidatas à listagem devem arquivar seus documentos na CVM até, no máximo, 15 de outubro. É preciso considerar o período de análise dos documentos pela autarquia e ainda reservar mais três semanas de apresentação a investidores.

O frigorífico Bertin, que já assumiu publicamente a retomada do interesse pela abertura de capital, está entre os mais cotados para tentar vender suas ações ainda neste ano. O laboratório Fleury também é citado com candidato à listagem, mas para 2010. Consultada, a empresa afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não tem processo contratado.

Os especialistas destacam que o interesse do estrangeiro é a força motora dessa agitação. Das ofertas realizadas até o momento, o investidor internacional absorveu entre 70% e 80%, na média. Porém, é o sucesso das ofertas iniciais já anunciadas que determinará o tamanho real do apetite por novatas.

Embora a crença predominante é de que 2010 também será um ano positivo, a maioria das companhias que retomaram os trabalhos quer tentar ainda neste ano a captação - mesmo que tenham que apertar a agenda para conseguir. "Quem está trabalhando quer para já", comenta Carlos Motta, do escritório, Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.

Os envolvidos nas ofertas estimam que, além dos R$ 19,5 bilhões já captados com ações neste ano, haja mais R$ 20 bilhões para serem colocados no mercado entre as operações já anunciadas e as que ainda serão registradas. A maior parte, contudo, de colocações subsequentes, ou seja, de empresas já abertas. Excluindo VisaNet e Santander (que alguns consideram como oferta inicial), as estreias podem girar cerca de R$ 5 bilhões.

Caso esse volume se confirme, 2009, o ano da crise, pode ser o segundo melhor ano de ofertas de ações, em volume financeiro movimentado, desde a retomada das atividades do mercado, em 2004. Considerando essa projeção, somada ao que já foi levantado pelas empresas até o momento, o saldo do ano chegaria a quase R$ 40 bilhões.

A visão positiva relativa do Brasil perante o restante do mundo também é o argumento que explica a redução do tamanho da oferta exigida pelos investidores para uma companhia estreante. "Esse é o que eu chamo de um dogma mutante", brincou Alexandre Barreto, sócio do escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados. Segundo ele, agora, um intervalo entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão é perfeitamente aceitável. Ronald Herscovici, sócio do mesmo escritório, ressalta que nos Estados Unidos as operações são, em média, entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões. "O volume das nossas [ofertas] é bem razoável."

O valor da oferta é essencial para determinar a liquidez das ações. Quanto maior a colocação e a fatia do capital vendida, melhor tende a ser a negociabilidade das ações. A baixa liquidez da maioria das novatas assustou os estrangeiros no pico da crise - que tiveram que vender os ativos a qualquer preço, levando alguns papéis a perder perto de 90% do valor na ocasião.

Em comum, as ofertas iniciais da Direcional e da Cetip trazem a perspectiva de alguma realização de lucro para os fundos de participações que irrigaram as empresas depois que a fonte do mercado secou. A gestora de recursos Tarpon colocou cerca de R$ 180 milhões na incorporadora imobiliária e detém 25% do capital. Na Cetip, a Advent acordou pagar R$ 350 milhões por 30% da empresa. No entanto, os pagamentos ocorreriam conforme o desempenho financeiro da empresa, até 2010.

Outro destaque dessa nova onda de ofertas iniciais é a ausência de uma concentração setorial. "Não há sinal de bolha em nenhum setor, como vimos no imobiliário no passado", disse Herscovici. O único componente homogêneo é o foco de atuação das empresas no mercado doméstico.

A melhora do humor, porém, não significa o fim da seletividade. "Não há espaço para qualquer empresa. É preciso preparo", disse Barreto. Com menos operações para analisar, o investidor tende a estudar melhor os casos. Não foi à toa, que os fundadores da GVT voltaram atrás na decisão de vender papéis na oferta anunciada.

Embora seja predominante a crença de que 2010 continue movimentado para ofertas de ações, existem vozes dissonantes. Há quem acredite numa correção do mercado a partir deste mês, após a alta dos meses anteriores.

Os especialistas lembram que a China também deve retomar as ofertas e concorrerá com o Brasil na atração de recursos estrangeiros. Além disso, embora não haja um cronograma, a capitalização gigantesca da Petrobras pode drenar parte da liquidez para o país.

A chefe de análise da Fator Corretora, Lika Takahashi, divulgou relatório de estratégia ontem demonstrando preocupações a respeito dos preços das ações na bolsa. Ela lembra que o mercado de crédito não acompanhou essa euforia, o que sugere que um dos dois está na direção errada. "Podem me chamar de cética", escreve ela. (Colaborou Cristiane Lucchesi)