Título: Material bélico pode desequilibrar balança comercial com a França
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2009, Brasil, p. A4

O acordo de fornecimento de material na área de defesa, a ser confirmado no dia 7 de setembro pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Nicolas Sarkozy, pode desequilibrar a balança de comércio entre os dois países, hoje já mais favorável aos franceses. A pedido do governo brasileiro, um dos principais pontos na agenda dos ministros que acompanham Sarkozy ao Brasil será a discussão sobre medidas para reduzir o impacto, sobre as contas de comércio, das compras de submarinos, helicópteros e partes e peças previstas no acordo.

Somados, os investimentos no setor militar ultrapassam ¿ 6 bilhões, parte dos quais será usada para compras e pagamentos de mercadorias e serviços no Brasil. O governo não tem, ainda, uma avaliação do peso final, na balança de comércio, das compras de helicópteros (¿ 1,76 bilhão, entre 2010 e 2016) e submarinos (¿ 4,32 bilhões, até 2021), já que haverá montagem da maioria desses equipamentos em território brasileiro. O acordo na área de defesa é apenas uma faceta da aproximação entre os dois países, que têm buscado alianças na política internacional, e em setores como o aeroespacial e em meio ambiente.

"Estamos atualizando a relação entre os dois países, em um processo de aproximação que vem desde 2004", define a diretora do Departamento de Europa do Ministério de Relações Exteriores, Maria Edileuza Fontenelle Reis. "Temos uma forte cooperação em ações de combate à pobreza, distribuição de medicamentos a terceiros países, nas Nações Unidas e nas discussões do G-20, para mudanças da arquitetura financeira internacional", lista a diplomata.

Apesar de diferenças nas posições dos países (a França tem um dos governos que mais resistem a mudanças na estrutura de poder do Fundo Monetário Internacional, por exemplo), as autoridades francesas mantêm um sistema de contatos prévios com o Brasil antes de todas as reuniões importantes de comércio, sobre mudanças climáticas e dos países do G-20 que discutem a crise financeira.

Brasil e França se denominam "parceiros estratégicos", de acordo com um plano de ação assinado entre os dois governos em dezembro, que prevê até ação conjunta para garantir remuneração aos países pelo uso de sua biodiversidade. Os interesses empresariais franceses e brasileiros têm um peso importante na aproximação: o estoque de investimentos franceses chegou a cerca de US$ 17,5 bilhões em abril, um aumento de 43,4% em relação aos US$ 12,2 bilhões registrados no último censo de investimentos estrangeiros.

Na missão de empresários que acompanha os ministros de Sarkozy, há interessados nos acordos de defesa e empresas com interesse no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), em investimentos como a ampliação do programa nucelar e o trem-bala entre o Rio e São Paulo. "A cooperação nuclear no campo pacífico é certa, a novidade é que os franceses querem disputar a seleção para a quarta usina nuclear brasileira, no Nordeste", comenta o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear, Guilherme Camargo, que diz estarem em fase final as negociações para construção de Angra 2 pela francesa Areva . "Não me surpreenderia se houvesse um subacordo para cooperação nucelar, em meio aos a serem assinados", diz.

Os dois governos criaram um grupo de trabalho para explorar alternativas de redução do déficit comercial entre Brasil e França, que ficou em US$ 310 milhões, de janeiro a julho deste ano. Em 2008, o Brasil importou US$ 553 milhões a mais do que vendeu à França. Com Sarkozy, virá a ministra de Economia, Indústria e Emprego, Christine Lagradere, com uma comitiva que terá, na terça-feira, em São Paulo, rodadas de negócio com empresários brasileiros e um encontro com o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. O governo brasileiro quer contornar a tendência protecionista no governo Sarkozy, exacerbada com a crise, e explorar possibilidades de vender aos franceses produtos como motores, autopeças computadores, medicamentos e vestuário, entre outros.

"A França é um parceiro comercial fundamental, com grande possibilidade de aumento de exportações", garante o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, lembrando o status do país como quinto maior importador mundial, mercado de quase 2,4 mil exportadores brasileiros. Como argumento para maior abertura do mercado francês, o ministério conta com as negociações de compra dos equipamentos militares da França (no acordo de defesa há até projeto de desenvolvimento, no Brasil de veículos terrestres não tripulados). "Queremos chegar a US$ 10 bilhões de comércio em até três anos", anuncia.

Barral admite que a crise reduziu em quase um quarto o comércio entre Brasil e França, que chegou a US$ 8,8 bilhões no ano passado e, segundo prevê, não deve passar de US$ 6,5 bilhões neste ano, abaixo do nível alcançado em 2007. "As questões gerais de comércio entre nós são discutidas com a União Europeia, mas há uma série de pequenos pontos que podem ser resolvidos bilateralmente", diz o secretário. Um desses pontos é a aplicação da legislação tributária francesa sobre o acordo de bitributação dos dois países, que obriga empresas francesas isentas de imposto no Brasil a pagar integralmente o tributo na França. O Brasil espera obter um acordo que isentará as empresas, nestes casos. Existem hoje mais de 600 empresas francesas instaladas no Brasil, 450 filiais de grupos franceses que empregam 250 mil pessoas, principalmente em bancos, montadoras, siderúrgicas e comércio varejista.

Entre as demandas francesas, está a definição mais favorável da tributação sobre perfumes no Brasil. Eles querem que produtos classificados como perfumes, tributados em 42% de IPI, recebam classificação como "colônias", que pagam apenas 12%.