Título: Agenda de Cabral, colada à de Lula, sobreviverá ao pré-sal, diz Santos
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2009, Política, p. A8

A boa relação do governador Sérgio Cabral (PMDB), no Rio, com o governo federal se traduz não apenas em apoio financeiro a obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou a áreas de segurança e saúde, mas também influencia o desempenho positivo do Executivo estadual junto à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Esta é uma das conclusões de estudo elaborado pelo cientista político Fabiano dos Santos, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). O pesquisador avalia ainda que nem o atual enfrentamento de Cabral à ideia do governo federal de repartir os royalties do petróleo do pré-sal deve abalar a bom relacionamento dos dois governos.

Em conversa com o Valor, Santos, pesquisador do Poder Legislativo no Brasil, autor de "O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão" e co-autor de "Governabilidade e Representação Política na América do Sul", aposta na tramitação da regulamentação do pré-sal no Congresso em 90 dias devido ao PMDB.

A seguir, os principais trechos de sua entrevista:

Valor: Seu estudo mostra harmonia do governo Cabral com a Alerj. Há menos derrubadas de vetos em comparação ao governo anterior. Qual foi a causa disso?

Fabiano dos Santos: Há uma coalizão muito bem definida de partidos que apoiam o Executivo estadual e que reproduz em grandes linhas a coalizão que governa no âmbito nacional. Do ponto de vista da condução da agenda, tem uma determinação fundamental. A agenda da Assembleia passa a não ser independente daquela que pauta a política nacional. São políticas que estão coordenadas. Os argumentos têm um impacto muito importante, de defender as consequências positivas que isso acabará tendo para o eleitorado dos deputados da base. Os argumentos estão muito bem consolidados e as consequências muito palpáveis para essa base eleitoral.

Valor: O Rio vem sendo muito apoiado pelo governo Lula, é o Estado que mais recebe transferências federais, incluindo o PAC. Isso acaba sendo um atrativo para o deputado votar a favor?

Santos: O ponto são as possíveis virtudes que uma perspectiva diferente pode trazer para o Estado. Existe uma coalizão aqui que reproduz quase que siamescamente a coalizão nacional. E a agenda estadual está muito colada com a agenda nacional. Isso ocorre pela primeira vez em muitos anos.

Valor: Há quanto tempo isso não acontecia?

Santos: O Marcello Alencar foi um governador coordenado com o governo Fernando Henrique, só que a agenda era emergencial, de tentativa de diminuir o problema fiscal. O Executivo focou nas privatizações e no problema do endividamento estadual, do Banerj, foi um governo reativo à situação emergencial, ele não tinha nenhuma agenda positiva, nada para pautar um estilo de desenvolvimento. Na época, a Alerj tinha uma política de direitos de minoria, de meio ambiente, de segurança. Já a do Executivo era basicamente econômica e de endividamento em um curto período que houve entrosamento entre o plano nacional e o plano estadual. Porque durante o governo Brizola - se a gente retirar o governo Collor, também foi um curto período e que redundou na Linha Vermelha - não houve também. O governo Brizola sempre se opôs ao governo federal e ao municipal, com péssimas consequências e efeitos deletérios seja para a cidade seja para o Estado. O Moreira Franco, a mesma coisa. Num certo momento, ele estava entrosado com o governo nacional e depois, com a escalada inflacionária e com a perda de popularidade do governo, o Moreira Franco conflitou diretamente, com péssimas consequências para o Estado. E em todo o período dos governos Garotinho e Rosinha houve essa marca de se estar sempre em conflito. A perspectiva hoje é diferente. Há as ambições políticas dos diversos partidos, mas existe a questão administrativa, da gestão, e as políticas públicas que são saudáveis para o desenvolvimento econômico e social. Não há espaço para uma contraposição porque os efeitos são muito concretos.

Valor: Essa oposição de Cabral em relação à ideia do governo de repartir os royalties de forma igualitária a todos os Estados pode abalar essa afinação com o governo federal? Pode ter alguma repercussão nas relações com a Assembléia?

Santos: Tem uma perspectiva bastante clara do governo federal para dar um conteúdo de atuação do Estado através da Petrobras na exploração do pré-sal. O marco regulatório é muito favorável à maior presença do Estado, é um alinhamento do governo. É distinto ao marco anterior. O Congresso vai definir até que ponto isso está para esquerda ou está bom ou não. Isso tem repercussão nos agentes estaduais e federativos e da distribuição dos Estados. Agora, tem duas definições do governo estadual: a mais ampla, se é nesses termos que eles querem; qual a perspectiva mais adequada. Num segundo momento, do ponto de vista distributivo, como o Estado do Rio vai ficar. É importante manter a coordenação com o governo federal e coordenar as ações da bancada federal do Rio, que deve tomar uma posição coordenada. Porque a divisão na bancada pode ocorrer do ponto de vista ideológico. Existem deputados do PT, do DEM, do PSDB, do PMDB, mas existe uma questão de interesse do Rio e isso tem que ficar claro.

Valor: Essa lógica regional pode aparecer no Congresso com o pré-sal?

Santos: Na questão distributiva, a bancada deve agir conjuntamente e em coordenação com o governador, que por sua vez, está agindo de uma maneira coordenada com o governo nacional.

Valor: Mas essa disputa por royalties antes das eleições não pode causar abalo nessa aliança Lula-Cabral? Cabral é candidato a reeleição e vai apoiar Dilma.

Santos: Pode, só que o governo estadual tem muito a perder e o governo nacional também. Então, os incentivos para haver uma saída negociada são muito grandes. A informação que tivemos que há uma emenda proposta e absorvida proposta pelo secretário Joaquim Levy e que daria conta disso. Evidentemente tem componente de disputa eleitoral porque o governo federal vai tentar definir um perfil de defesa dos interesses nacionais que estaria associado à descoberta do pré-sal e do fortalecimento da Petrobras, que simbolizaria a capacidade do Estado brasileiro de fomentar o desenvolvimento e de se colocar como uma potência emergente e está se consolidando na nova configuração geopolítica internacional. Isso vai aparecer e a candidatura presidencial vai encarnar essa maneira de entender e usar o pré-sal. Do outro lado, a oposição vai tentar mostrar que o Rio está sendo prejudicado e que o governador estaria fazendo papel de elo fraco, em nome de interesses eleitorais, em nome de não perder os benefícios que têm sido transferidos para o Rio , estaremos aí engolindo sapo, sendo prejudicados mais uma vez na disputa federativa.

Valor: Algum problema nessa boa relação com do governo estadual com o governo federal?

Santos: Tem que haver uma clareza sobre qual é a agenda de políticas públicas que interessa ao Estado do Rio. Tem que haver uma coordenação da bancada federal do Rio para discutir com a bancada estadual as questões importantes para o Estado e o entrosamento com o governo nacional tem que existir em torno dessa agenda estadual. Até onde pude analisar, não vejo nada que contrarie os interesses do Rio. Nesse momento, existe possibilidade de conflito, mas não percebo no governo estadual nenhuma disposição para em nome desse entrosamento, abrir mão de seus interesses. Ao contrário, vi uma posição aguerrida do governador e das bancadas em torno da defesa do Estado do Rio.

Valor: Em comparação à tramitação da Lei do Petróleo, em 1997, a regulamentação do pré-sal deve ser igualmente complicada?

Santos: Naquela época houve uma reforma constitucional, do ponto de vista do quórum foi mais difícil aprovar do que esse conjunto de medidas que estão sendo propostos agora e que exige apenas maioria. O governo tem maioria suficiente para aprovar essa proposta independentemente da oposição. Tem a questão federativa distributiva, que não é simples, é uma costura que tem que ser resolvida e por outro lado tem o fato de que a política anterior acabou gerando uma série de interesses em torno. Reverter a política é muito difícil porque os grupos beneficiados vão agir no sentido de não permitir que mudanças significativas sejam feitas.

Valor: Das empresas?

Santos: São pressões de empresas, tem a própria da CPI da Petrobras. Não é à toa que as coisas estão juntas. O ator fundamental no Congresso é o PMDB. Há uma uma parte do Congresso em que as teses nacionalistas são facilmente absorvidas e adotadas. Toda a esquerda, PT, PSB e PCdoB, são forças que certamente devem aderir a essa proposta do governo. O PMDB é um partido de centro. Às vezes, se inclina para um proposta mais nacionalista, às vezes, persuadido, é mais privatizante. E o PMDB é muito suscetível à questão federativa. A base e a força deles têm muito a ver com os Estados e o PMDB governa o Estado do Rio.

Valor: Então vai ter muita negociação com o PMDB?

Santos: O PMDB tem sido o fiel da balança e agora, de novo, quando se entra na questão federativa e distributiva. Por outro lado, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, é do PMDB, é ele quem está sugerindo os projetos de lei. O PMDB não é coeso, a questão vai ter que ser negociada em coordenação com o governo.

Valor: Acha possível a regulamentação pré-sal ser votada em 90 dias no Congresso?

Santos: Pensando na temperatura do jogo político e na forma como o PMDB foi acuado e jogado para a coalizão, para o PT, há possibilidade muito melhores de entrosamento do PMDB com o PT do que um tempo atrás, quando o PMDB estava mais indeciso. Me refiro à crise do Senado e a tudo o que a oposição fez. Isso acabou colocando o PMDB numa situação muito difícil. Agora é a hora do PMDB responder. Na Câmara, a base é confortável. E como aconteceu no Senado o problema, o PMDB vai dar o troco aprovando. A radicalização pela oposição acabou a tornando um pouco míope para a continuidade do processo.