Título: Sarney e Renan mantêm poder à revelia da crise
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2009, Política, p. A10

A longa crise do Senado consolidou, em vez de diminuir, o poder do grupo que há anos dá as cartas na Casa, na atual legislatura. Na medida em que o poder real de José Sarney (PMDB-AP) e de Renan Calheiros (PMDB-AL) se manteve praticamente intacto, diminuiu a margem que a oposição tinha para negociar políticas públicas, o que deve radicalizar ainda mais a disputa no Senado, sobretudo com a proximidade das eleições de 2010.

Essas são algumas das principais conclusões a que se pode chegar com a divulgação da 16ª edição da série "Cabeças do Congresso Nacional", pesquisa, entre os congressistas, realizada anualmente pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). O objetivo é "identificar os 100 parlamentares com mais habilidades para elaborar, interpretar, debater ou dominar regras e normas do processo decisório, bem como para manipular recursos de poder, de tal modo que suas preferências ou do grupo que lideram prevaleçam no conflito político".

As novidades no Senado, este ano, foram poucas, não passaram de três, apesar de a Casa viver momentos de crise intensa desde o ano passado, como a renúncia de Renan à presidência, e a eleição de Sarney, que assumiu sob protestos e só se manteve no cargo graças ao apoio decidido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E entraram no grupo dos 100 duas mulheres e um obscuro senador senador por Brasília: a ex-ministra Marina Silva (AC), provável candidata do PV a presidente da República, e a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), ruralista com chance de compor a chapa do candidato do PSDB em 2010.

O senador é Gim Argello (PTB-DF), suplente do ex-senador Joaquim Roriz que fez reputação ao se aproximar do grupo de controla o senado e da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), eventual candidata do PT a presidente. A aproximação de Argello da ministra é exemplar dos modos e costumes políticos da capital. Morando nas vizinhanças de Dilma, o senador orientou seu jardineiro a avisá-lo sempre que a ministra saía para caminhar. Quando ela despontava no horizonte, Argello começava sua sessão de alongamentos que terminava quando Dilma passava por ele.

"O apoio do governo na crise Sarney consolidou o poder desse grupo", diz Antônio Augusto Queiróz, diretor do Diap e coordenador da pesquisa e da publicação "Cabeças do Congresso".

Na Câmara, o processo se deu de forma um pouco diferente: 12 deputados saíram da lista, em relação a 2008, e entraram nove (a diferença são os três senadores que entraram na lista). É mais ou menos a média nas mudanças de uma legislatura (de quatro em quatro anos, nas eleições) para a outra. No período, em geral a lista permanece estável, o que não foi o caso de 2009.

Um dos motivos foi a saída de deputados, seja para disputar a eleição de 2008 para prefeito (93), seja para ocupar secretarias em seus Estados "A imagem do Congresso está muito negativa", diz Queiróz. Um exemplo é o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que tinha chances de presidir a poderosa comissão do Orçamento, mas preferiu ser secretário na Bahia "O esvaziamento do do Congresso na formulação de políticas públicas também contribui", diz o diretor do Diap.

Na relação dos que entraram para a "elite" há ilustres desconhecidos, como Daniel Almeida (BA). Assim como Gim Argello entrou no Senado por sua atuação no bastidores, a indicação de Almeida é institucional: ele é o líder do PCdoB na Câmara. Já Pepe Vargas (PT-RS) costurou de fato o acordo em torno do projeto que altera o fator previdenciário e do que permite aumento acima da inflação para os aposentados.

Roberto Santiago (PV-SP) é o representante verde da "base dos servidores públicos" e da central sindical UGT. Mário Heringer (PDT-MG) fez de Brizola Neto (PDT-RJ) líder da bancada e se aliou a Paulinho (PDT-SP), nos bastidores. Brizola Neto entrou na lista por ser líder e ter se tornado uma referência na área de relações do trabalho.

Ninguém entra na lista por acaso. Tadeu Filippelli (PMDB-DF), por exemplo, é presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e foi relator da medida provisória que altera tributos. Nessa função, demonstrou o mesmo estilo do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seu antecessor no cargo: emparedou o governo na questão do crédito prêmio do IPI. Cunha está com a imagem um tanto desgastada. Filippelli é atualmente o homem do PMDB no grupo que controla a Câmara dos Deputados.

A Câmara também teve seus escândalos no período: o castelo do deputado Edmar Moreira (DEM-MG), a farra das passagens, entre outros. O presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), não estava diretamente envolvido em denúncias e teve margem de manobra maior que Sarney. Ainda assim o desgaste é igual para deputados e senadores. O problema da radicalização, especialmente no Senado, é que a oposição, sem nenhuma margem de manobra, tende ao "veto" preliminarmente. Na legislatura passada, ela teve relatorias - o então senador José Jorge (DEM-PE foi o relator do Fundeb, po r exemplo) - e conseguiu melhorar o conteúdo de políticas públicas.

Os 100 "cabeças" do Congresso, agora, elegerão os dez nomes que constituem a elite parlamentar. "Para a classificação e definição dos nomes que lideram o processo legislativo, o Diap adotou critérios qualitativos e quantitativos que incluem aspectos posicionais (institucionais), reputacionais e decisionais", explica Antônio Augusto Queiróz.

Para a eleição dos dez é grande a expectativa em relação ao senador José Sarney, presidente do Senado. Apesar de ter consolidado poder, há avaliação de que, pelo critério da reputação, Sarney possa pela primeira vez ficar de fora da lista dos dez.