Título: Senado propõe não mais ceder vagas a derrotados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2009, Opinião, p. A12

O texto da reforma eleitoral aprovado anteontem pelas Comissões de Tecnologia e Comissão de Constituição e Justiça do Senado, anteontem, que ainda tem de passar pelo plenário da Câmara para tornar-se, de fato, uma lei, é eivado de erros. Sem uma efetiva pressão da opinião pública, não será possível livrar o texto legal de contaminação pelos interesses eleitorais dos parlamentares. Esse é, em regra, o script de uma mudança eleitoral. A norma aprovada pelas comissões para limitar a disseminação de opiniões na internet durante as eleições é um exemplo disso: a chamada blogosfera, pela sua natureza, foge ao controle dos políticos e não é de agora que se tenta impor limites à sua atuação. Uma forte oposição à tentativa de estender à internet as limitações impostas ao rádio e à televisão, durante o período eleitoral, obrigou os senadores a um compromisso de apresentar, em plenário, uma emenda para derrubar o artigo.

Nem só de erros, no entanto, vive um projeto de lei eleitoral. Em uma longa reunião conjunta das duas comissões, os senadores fizeram uma correção importante de rumo, ao decidir sobre a substituição do governante (presidente, governador ou prefeito) cassado pela Justiça eleitoral depois de diplomado, isto é, no exercício do mandato. O artigo 41A da Lei Eleitoral, de 1999, foi um grande avanço na moralização dos costumes eleitorais, quando definiu como crime passível de cassação de mandato a "captação ilícita de sufrágio". Foi a primeira lei de iniciativa popular aprovada pós-Constituição de 1988, patrocinada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com apoio de uma dúzia de entidades da sociedade civil e de mais de 1 milhão de eleitores. O artigo define que o candidato não pode "doar, oferecer, prometer, ou entregar" algo ao eleitor que configure "captação ilícita de votos", nem "oferecer vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública". A punição é a cassação.

Embora tenha atravessado cinco eleições, o 41A começou a produzir efeitos saneadores mais recentemente, em especial no ano passado, quando foram cassados dois governadores com base no dispositivo, o do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e o da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB). Sem a regulamentação do artigo, no entanto, coube à Justiça arbitrar quem substitui o afastado por fraude eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou, nesses dois casos, que se a vitória foi obtida por meio de um ato viciado, ela foi subtraída de um segundo colocado. Os derrotados nos pleitos dos dois Estados hoje são seus governadores. Esses processos de cassação, no entanto, são decididos com base em provas que dizem respeito a poucos votos - não é necessário comprovar que o mandatário comprou com dinheiro ou vantagens votos suficientes para tirar a vitória de seu adversário. O crime é a compra ou a troca de voto por favores, e basta que um único seja comprovadamente produto de fraude.

Há clareza e justiça na determinação legal. O problema é que, na falta de regulamentação, sua execução pode punir o próprio eleitor. A Justiça não tem como definir, na maioria das vezes, o grau de interferência de uma fraude na decisão do voto. Quando assume um candidato que foi derrotado com um segundo lugar, a vontade popular pode ser comprometida.

A solução dada pelo Senado é justa: se a Justiça eleitoral cassa o mandato do presidente, do governador ou do prefeito nos dois primeiros anos de mandato, deve convocar novas eleições para preencher o cargo. Nos dois últimos anos, o Congresso, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais escolhem o substituto do mandatário cassado.

Decidir quem ocupa o lugar do governante cassado por fraude eleitoral não torna a lei menos rigorosa, mas impõe limites inclusive à litigância de má-fé dos derrotados nos pleitos eleitorais, que podem ser estimulados a recorrer à Justiça para ascender ao cargo sem o trabalho de vencer as eleições. A Carta de 1988 define que, no caso de vacância do cargo do presidente na primeira metade do mandato, devem ser convocadas novas eleições; e, na segunda, o Congresso deve eleger o novo presidente. Embora não existam normas expressas para o caso de prefeitos e governadores afastados, e nem regulamentação para os presidentes, o espírito da Constituição é, sem dúvida, não ceder o mandato para derrotados.