Título: Governo brasileiro decide comprar 36 caças franceses por US$ 4 bilhões
Autor: Tarso , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2009, Brasil, p. A2

O governo brasileiro decidiu comprar 36 caças GIE Rafale, da empresa francesa Dassault, em um contrato de US$ 4 bilhões. Apesar da decisão política, anunciada ontem pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Nicolas Sarkozy, e tomada apenas às 2 horas da manhã de segunda - dez horas antes da declaração conjunta - ainda faltam detalhes técnicos e econômicos para viabilizar integralmente a parceria.

De acordo Sarkozy, o ritual deverá repetir o mesmo caminho da venda dos submarinos franceses ao governo brasileiro. "Os chefes de Estado tomaram a decisão em dezembro do ano passado. A seguir, iniciaram as conversas técnicas que se materializaram apenas agora", comparou o presidente francês.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, chanceler Celso Amorim, disse que estes detalhes técnicos significam, basicamente, uma negociação de preço. Ele explicou alguns fatores que pesaram para o acerto da parceria com os franceses: a transferência de tecnologia dos franceses para o Brasil e a possibilidade de venda conjunta dos aviões, em um momento posterior, para a América Latina. "Foi uma decisão político-tecnológica", brincou Amorim.

Em contrapartida à intenção do governo brasileiro, o governo francês confirmou a compra de dez aeronaves de transporte militar KC-390, produzidos pela Embraer. Técnicos franceses vão trabalhar em parceria com os engenheiros brasileiros no desenvolvimento deste projeto. A conclusão do negócio, feita por representantes do Brasil e da França, ocorreu após jantar oficial dos dois presidentes no Palácio da Alvorada. Declaração conjunta divulgada ontem confirmou ainda a venda para o Brasil de 50 helicopteros de transporte EC-725, produzidos pela França.

Apesar da conclusão óbvia, o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim foram cautelosos em relação ao fim da disputa pela compra das aeronaves, que envolvia ainda a Gripen da sueca Saab e o F-18 Super Hornet da americana Boeing. Lula disse que a nota conjunta divulgada pelos dois governos era clara e Amorim afirmou desconhecer os trâmites legais da concorrência.

Lula declarou que o Brasil zela pela paz, mas que isto não exclui a necessidade de se atualizar do ponto de vista da defesa. Citou que isto é fundamental para um país que tem 360 milhões de hectares de terras na Amazônia e descobriu as bacias de pré-sal localizadas em uma área de 149 mil quilômetros quadrados. "Nós sabemos quantas guerras surgiram por causa do petróleo. Não queremos guerras, nem conflitos. Mas precisamos tratar, com muito mais cuidado, de nossa segurança e soberania", alertou o presidente brasileiro.

Lula destacou as recentes parcerias feitas com o governo francês, como os trabalhos em conjunto para o desenvolvimento dos países africanos, a simetria de pensamento em relação ao papel do G-20 na crise mundial e a necessidade de uma reformulação dos organismos multilaterais, especialmente ONU, FMI e Bird, após as recentes crises que abalaram o mundo. "Queremos pensar juntos, criar juntos, construir juntos e, se possível, vender juntos", enumerou o presidente brasileiro.

Sarkozy ressaltou o potencial econômico do Brasil - a 8ª economia do mundo e o 5º país em tamanho territorial -, a importância de um discurso conjunto entre os dois países na Cúpula sobre o clima de Copenhagen (Dinamarca), marcada para dezembro e, em uma demonstração de afinidade, defendeu a inclusão do Brasil no Conselho de Segurança da ONU e disse que seu país apoiará a escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016. "Será uma grande oportunidade para o Brasil e para a América Latina."

O presidente francês - que foi convidado de honra do governo brasileiro para o desfile cívico-militar que comemorou ontem o 7 de setembro - declarou ter muito orgulho de ser amigo de Lula e demonstrou todo a sua admiração pela preocupação manifestada pelo petista com a África. Mas reclamou que há uma promessa feita por Lula a ele e que não foi cumprida: "Lula me prometeu um churrasco brasileiro. Mas parece que houve um problema com a infraestrutura da churrasqueira da residência oficial e eu tive que me contentar com uma comida típica brasileira", reclamou, bem humorado, o presidente francês, referindo-se ao jantar oferecido pelo governo brasileiro na noite de domingo, provocando risadas entre os presentes.

Lula desculpou-se, afirmando que colocaram carvão demais na churrasqueira e um dos vidros temperados que protegem o local espatifou, cobrindo a carne com cacos de vidro. "Não podia servir carne com cacos. Como a Marisa (Marisa Letícia, primeira-dama) intuiu que poderia chover, preparamos também uma moqueca capixaba, que servimos para o Sarkozy junto com feijão tropeiro", explicou-se Lula.