Título: CNJ tenta aliviar situação de fóruns no entorno de Brasília
Autor: Carvalho , Luiza
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2009, Legislação, p. E1

As sedes dos tribunais superiores de Justiça impressionam pela sua grandeza. Prédios suntuosos, com ar-condicionado, seguranças bem-vestidos, funcionários e equipamentos em abundância. Mas a pouco mais de meia hora de Brasília, no chamado Entorno do Distrito Federal - que abrange 20 municípios do Leste de Goiás -, juízes e advogados convivem com uma realidade bem diferente: estruturas precárias, baixa informatização e insuficiente número de servidores. Situação que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pretende mudar - pelo menos no que diz respeito à celeridade dos processos - levando à região o "Projeto Integrar". Iniciado no Estado do Piauí, o projeto tem o objetivo de auxiliar os tribunais e varas de Justiça na implantação de um modelo moderno de gestão.

O Fórum de Formosa, responsável pelo movimento de mais três cidades - Vila Boa, Cabiceiras e Flores de Goiás, que fica a a 160 quilômetros de lá - e dezenas de assentamentos agrícolas, é um exemplo da situação caótica em que vive o Entorno do Distrito Federal, uma região carente e famosa pelo alto índice de violência - tem 10 das 500 cidades mais violentas do país. Conta oficialmente com apenas seis juízes, mas só há quatro atuando - um está de licença e outro ainda não assumiu o posto -, e cinco oficiais de Justiça, responsáveis pela tramitação de aproximadamente 50 mil processos. Deste total, cerca de 20 mil cobram tributos dos moradores.

A distância entre os municípios atendidos pelo fórum piora ainda mais o atendimento. Para o juiz Cláuber Costa Abreu, da 2ª Vara Criminal de Formosa, muitas vezes "não compensa" aos habitantes de Flores de Goiás, por exemplo, procurarem a Justiça. Só a viagem de ida e volta até Formosa custa R$ 40. E é preciso pelo menos três delas para ajuizar o pedido, participar da audiência e, ao final, receber, por exemplo, um benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de aproximadamente R$ 200,00, uma das demandas mais comuns na região. "Ainda que o cidadão possa se beneficiar de Justiça gratuita, a distância é uma forma de negar o acesso ao Poder Judiciário", afirma Abreu.

A situação é tão precária que, recentemente, para ampliar de quatro para seis o número de varas, o Fórum de Formosa foi obrigado a desativar sua cantina. Os processos ficam arquivados em um galpão sem nenhuma condição de preservação dos documentos, empilhados em estufadas caixas de papelão nas estantes e no chão. Em uma delas, por exemplo, está escrito, em fita crepe, apenas "processos antigos", sem data alguma. Riquezas históricas, como processos de carta de doações de escravos, já estão em fase avançada de deteriorização.

Não muito distante de lá, nas salas apertadas do Fórum de Planaltina de Goiás, trabalham 60 servidores, responsáveis pela tramitação de 11 mil processos. "Não cabem mais processos", diz o juiz Alano de Cardoso e Castro, da Vara Criminal, no pequeno intervalo entre uma audiência e outra. Em mesas improvisadas no corredor, servidores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) trabalham na separação de processos por fases, primeiro passo para organizar o amontoado de caixas. Nos últimos dias, uma "limpeza" feita pelo grupo liberou espaço para acomodar melhor as ações, mas ainda há estantes com objetos diversos e alheios à atividade da Justiça, como colchões velhos.

Em Valparaíso, o fórum foi improvisado em um depósito que abrigava antes uma feira. Em Águas Lindas de Goiás, pela falta de espaço, os processos tiveram que ser acumulados em um banheiro, que foi desativado. Caixas com processos em tramitação se empilham em cima do vaso sanitário. Para abrir espaço, servidores do CNJ deram destino a 506 bens apreendidos - de bicicletas a armas utilizadas em crimes -, que se amontoavam no fórum.

No Entorno do Distrito Federal, para dar andamento às ações de execução fiscal, prefeituras acabam emprestando seus funcionários. Nas regiões abrangidas por Formosa, por exemplo, há apenas cinco oficiais de Justiça, auxiliados por dois servidores municipais. No município de Águas Lindas de Goiás, desde 2005 o fórum não recebe nenhuma ação de execução fiscal da procuradoria, por não ter condições de dar andamento. Não há servidores capacitados para o serviço.

Na maior parte do entorno, não há varas federais, o que faz com que as varas de fazenda pública sejam responsáveis pelas discussões sobre impostos municipais, estaduais, federais e ações previdenciárias. Na 2ª Vara Cível das Fazendas Públicas e Ambiental de Formosa, há 19,8 mil processos, sendo que 12,2 mil foram ajuizados pela prefeitura para a cobrança de IPTU, 5,3 mil pelo Estado e o restante pela Fazenda Nacional. Na opinião do juiz Lucas Siqueira, titular da vara, uma solução seria estabelecer um piso para compensar o ajuizamento de uma ação de execução fiscal, pois, segundo ele, a maioria envolve valores menores que R$ 150.

A situação precária chamou a atenção do CNJ que, em abril, decidiu estender às cidades do entorno o Projeto Integrar. Oito municípios foram selecionados para fazer parte do projeto: Formosa, Planaltina, Águas Lindas de Goiás, Novo Gama, Luziânia, Cidade Ocidental, Valparaíso e Santo Antônio do Descoberto. A idéia do projeto é uniformizar a prestação de serviços do Judiciário. Embora o grupo não possa interferir diretamente em um dos principais problemas do Judiciário, a falta de funcionários, o projeto realiza cursos de capacitação dos servidores que, em sua maioria, nunca receberam treinamento algum. Após triar e organizar os processos por fases, o grupo implementa novas práticas de trabalho para conferir maior celeridade processual, resolvendo parte do problema de espaço nos fóruns. Também são realizados mutirões judiciais.

Para a juíza Maria da Conceição da Silva Santos, coordenadora do Integrar, é inadmissível que os órgãos do Poder Judiciário localizados tão próximos aos tribunais superiores fiquem nessa situação. "Que esperança terão as varas judiciais mais afastadas pelo Brasil?", diz a juíza, lembrando que a maioria dos municípios do entorno surgiu como cidades-dormitório, nas quais a população, pela pouca oferta de emprego, acaba migrando durante o dia para trabalhar na capital federal. "As comarcas do Entorno já nasceram inchadas, com uma população em total desassistência, que vive em função de Brasília."

Na opinião do advogado Ibaneis Rocha, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), a situação extremamente precária do Poder Judiciário no entorno reflete o problema do alto índice de desemprego, tráfico de drogas e roubos, o que fez com que surgisse uma alta demanda judicial em uma zona de transição "sem dono", relegada tanto pelo governo de Goiás, quanto pelo governo do Distrito Federal. "O acúmulo de processos na região dá a sensação de impunidade", diz Rocha. Segundo ele, a atuação dos advogados nesses fóruns é bastante complicada, e é comum que cheguem à ordem reclamações por violações de prerrogativas, como o caso de um advogado que, em Santo Antônio do Descoberto, foi preso porque discutiu com um juiz durante o julgamento.