Título: Mercado, e não BNDES, deve capitalizar as empresas, diz Armínio
Autor: Cristiano Romero ,
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2009, Brasil, p. A4

A crise internacional mostrou a importância de se ter um banco público com as características do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sustenta o diretor de Planejamento da instituição, João Carlos Ferraz. "O nível de crítica que existia, vis-à-vis ao que existe hoje, mudou bastante. As pessoas de bom senso enxergaram a postura anticrise de um banco público", afirmou Ferraz em entrevista ao Valor.

Tão importante quanto a existência do BNDES, assegurou o executivo do banco, foi o empréstimo de R$ 100 bilhões feito pelo Tesouro. "O empréstimo foi, na minha opinião, uma das medidas de política econômica mais importantes. Ali, o governo sinalizou ao mercado: "Senhores, aqui não há credit crunch" (crise de crédito). Com isso, manteve o horizonte de investimento. E deu uma solução transitória enquanto o Congresso, a sociedade, não define novas fontes para o BNDES."

Ferraz disse que o descasamento entre a carteira de crédito do banco e as suas fontes de financiamento é uma "obsessão" da diretoria da instituição. "Isso pode abrir o debate sobre o que a sociedade brasileira considera adequado e se pretende financiar o longo prazo", observou o diretor.

Ex-presidente do Banco Central e hoje presidente do Conselho de Administração da BM&F Bovespa, Armínio Fraga elogia o papel que o BNDES teve na crise, mas tem ressalvas à ampliação do papel do banco estatal na economia, como vem ocorrendo nos últimos anos. "Até quando se quer emprestar dinheiro para empresas, principalmente para as que podem captar no mercado, com um funding barato com dinheiro do trabalhador?", indagou Armínio. "Até que ponto se quer o governo tomando dinheiro emprestado e emprestando para empresas? Nenhuma das duas coisas, para mim, faz sentido. A longo prazo, não faz sentido algum."

Quando decidiu emprestar R$ 100 bilhões ao BNDES, via Tesouro, o governo estabeleceu que os recursos seriam emprestados ao custo de TJLP mais spread que variava de 1% a 2% ao ano. Mais adiante, com o agravamento da crise, o governo reduziu a TJLP de 6,25% para 6% ao ano e eliminou os spreads. Como o Tesouro, em todo esse período, captou recursos no mercado a um custo bem mais elevado - neste momento, a taxa Selic está em 8,75% ao ano, mas no início de janeiro estava em 13,75% -, configurou-se o subsídio.

"Provavelmente (o BNDES), não leva em conta o fato de ser uma máquina de concentração de renda", criticou o ex-presidente do BC e dono da Gávea Investimentos. Armínio concorda que os R$ 100 bilhões foram importantes no meio da crise, mas recomenda prudência à política de crédito do banco. "Elogio muito a atuação do BNDES na crise. É correto ter feito o que fez. Acho que, a longo prazo, há uma série de outros custos e riscos."

O ex-dirigente do BC disse que não faz sentido o BNDES emprestar dinheiro à Petrobras, uma multinacional com presença em vários mercados e acesso a crédito no exterior. Da carteira de empréstimos de R$ 131 bilhões do BNDES prevista para este ano, R$ 25 bilhões foram destinados à estatal, que se prepara para investir na exploração de petróleo na camada pré-sal, onde atuará como operadora única e detentora de pelo menos 30% dos investimentos em cada campo.

Armínio argumentou que, com a queda dos juros, o mercado de capitais vai crescer, ajudando a financiar as empresas. Ele defende que o BNDES tenha um papel complementar e não substitutivo ao do mercado. "Chegou a vez, com juro real mais baixo, mais segurança jurídica e macroeconômica, de o mercado de dívida se desenvolver", exemplificou.

João Carlos Ferraz alega que o mercado de capitais é "muito pró-cíclico". É uma alternativa de financiamento para as empresas apenas quando a economia está em fase de crescimento. "Em 2007, celebrou-se que o mercado de capitais financiou, por meio de IPOs e lançamento de debêntures, o equivalente ao que emprestou o BNDES. Em 2008, por causa da crise, o mercado retraiu, enquanto o BNDES ficou firme", observou.

Ferraz acredita que, de fato, o sistema bancário, por causa da queda dos juros, está se movendo para oferecer crédito à economia, especialmente crédito de médio prazo, mas está fazendo isso de maneira muito lenta. "A agenda de financiamento ainda não foi visitada seriamente", afirmou ele.

Armínio e Ferraz concordam num ponto: nos próximos anos, a prioridade do BNDES deve ser financiar obras de infraestrutura. "Se você tem realmente um agente catalisador, talvez tenha uma estrutura de prazo mais longo que ajude a financiar, isso é bom, mas precisa ser muito estudado, com muito capricho", ponderou Armínio. "Infraestrutura e o entorno de grandes projetos são as prioridades. A ênfase é em capacidade produtiva, inovação, meio ambiente e desenvolvimento local", revelou Ferraz.