Título: Frustração de receita explica corte de gasto em São Paulo
Autor: Máximo , Luciano
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2009, Brasil, p. A4

A prefeitura de São Paulo passou pelos primeiros sete meses deste ano em uma situação fiscal melhor que a de outros entes da federação. Ajudada pelo melhor desempenho do setor de serviços em relação à indústria e à rentabilidade das empresas, a arrecadação da capital paulista cresceu 5,5% em termos nominais de janeiro a julho, em confronto com o mesmo período de 2008, resultado superior à variação de 1,05% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do governo estadual e à queda de 1,4% dos ganhos com tributos do governo federal, na mesma comparação.

Mesmo em posição de aparente conforto, o prefeito Gilberto Kassab (DEM), temendo os efeitos da crise global na economia municipal, fez dois contingenciamentos no orçamento da prefeitura desde janeiro totalizando R$ 6,3 bilhões - equivalentes a 23% do orçamento de R$ 27,5 bilhões aprovado para 2009. O percentual é elevado. Na na esfera federal, por exemplo, o corte foi de R$ 21,6 bilhões, ou 2,8% do orçamento da União.

O projeto orçamentário original, enviado para aprovação da Câmara de Vereadores no ano passado, previa receita de R$ 29 bilhões, alta de quase 20% sobre o total de recursos empenhados pela administração pública em 2008. Na Câmara, ele foi reduzido para R$ 27,5 bilhões, aumento de 15% sobre 2008. Diante das expectativas, a alta de 5,5% na arrecadação municipal até julho indica uma frustração de receitas, mas nem a Secretaria Municipal de Finanças nem a de Planejamento, atenderam aos pedidos de entrevista do Valor para explicar os cortes de despesas que atingem vários serviços, como limpeza pública, habitação, saúde, entre outros.

Como a previsão para o fechamento do orçamento no ano pode ser atualizada de acordo com a evolução dos gastos e da arrecadação, no balanço financeiro de julho a Secretaria de Finanças destaca que ainda espera contar com receitas orçamentárias da ordem de R$ R$ 25,757 bilhões no fim de 2009. Para adequar as despesas a uma receita ainda inferior ao orçamento, Kassab deverá enfrentar críticas de aliados e oposicionistas e manter os cortes em áreas que afetam diretamente o cotidiano da população. Na quarta-feira, o prefeito admitiu redução de R$ 57 milhões para a merenda das creches.

Serviços de limpeza é a área que mais sofre. De acordo com relatório de detalhamento de gastos da Secretaria Municipal de Planejamento, atividades de varrição, coleta de lixo e o pagamento às empresas concessionárias perderão quase R$ 275 milhões neste ano em relação ao valor empenhado no ano passado. O paulistano começou a sentir os reflexos dessas medidas na semana passada, quando o acúmulo de lixo nas ruas da cidade ampliou o efeito negativo das fortes chuvas, causando alagamentos e engarrafamentos caóticos. Mais problemas são esperados com a greve dos garis, programada para segunda-feira.

O corte de verbas para esses serviços, contudo, não decorreu só da frustração com as receitas previstas. Já no orçamento aprovado pela Câmara em dezembro, a partir da proposta original da prefeitura, os valores destinados para limpeza pública eram menores que os empenhados em 2008. Na varrição, por exemplo, foram empenhados R$ 337,2 milhões no ano passado, e para 2009 a verba orçada para a mesma rubrica, definida antes dos contingenciamentos, foi de R$ 263,9 milhões - 21,7% menos.

Para o economista Amir Khair, ex-secretário municipal de Finanças na gestão de Luiza Erundina, então no PT, o governo Kassab errou ao planejar o orçamento. "No ano passado, o governo supervalorizou as receitas previstas na lei de diretrizes orçamentárias (LDO), mas no caminho apareceu a quebra do Lehman Brothers, que com certeza traria impactos negativos para a arrecadação", lembra Khair.

O vereador Antonio Donato (PT), vice-presidente da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal, tem dois argumentos para a confusão no planejamento financeiro da prefeitura. "Kassab enviou a LDO inflada no meio da campanha eleitoral e agora ele precisa de recursos para garantir os subsídios do sistema de transporte antes de aumentar as tarifas no ano que vem."

Segundo Donato, até agosto a prefeitura empenhou R$ 508 milhões para o pagamento de compensações tarifárias às empresas de ônibus e lotações da capital. O gasto previsto com transporte no ano é de R$ 600 milhões. "Considerando que o valor empenhado mensalmente varia de R$ 50 milhões a R$ 75 milhões, a prefeitura vai precisar tirar recursos de outras áreas para manter o subsídio com a tarifa atual." O vereador, que busca abrir uma CPI para investigar os cortes, diz que a prefeitura vai poder "respirar" a partir de janeiro, quando o preço da passagem deverá subir de R$ 2,30 para R$ 2,70 e os subsídios serão reduzidos.

Aliado de Kassab e integrante da mesma comissão, o vereador Floriano Pesaro (PSDB) confirma que a prefeitura deverá aplicar as verbas da limpeza pública para suprir o "buraco" do transporte. "Por que guardar dinheiro e deixar a cidade afundar no lixo e na água? Justificativa eleitoreira é uma bobagem. Passamos por uma grave crise e o próprio prefeito admitiu que cortou [gastos] com medo de a arrecadação não chegar no previsto. Mas no caso das passagens, ele tem que honrar sua promessa política de não subir tarifas este ano. Hoje temos um buraco imenso nesse setor e eu acho que ele vai tirar das áreas que sofreram congelamentos."

Sem dar entrevista, a Secretarias de Planejamento, em uma curta resposta por e-mail, apenas justificou que foi feito, este ano, uma adequação da despesa à receita, que não cresceu com a mesma intensidade dos últimos anos. "É o que recomenda a boa gestão e a lei de responsabilidade fiscal".

Khair avalia que os cortes feitos até agora podem ser revistos. "A tendência até o fim do ano é claramente de retomada da atividade e de alta da arrecadação, logo, os cortes podem ser atenuados."