Título: Ayres Britto e Jobim discordam sobre regras para doação eleitoral
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2009, Política, p. A8

A aprovação da minirreforma eleitoral pela Câmara dos Deputados desagradou o Senado e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os senadores rebelaram-se, ontem, contra o veto da Câmara a quase todas as modificações feitas no texto original que foi aprovado por eles. O presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, criticou as restrições à campanha pela internet, o voto impresso e a possibilidade de "doações ocultas".

Para Ayres Britto, o ponto mais grave é a permissão de doações ao caixa geral dos partidos, e não diretamente aos candidatos. "O trabalho da Justiça Eleitoral ficou extremamente dificultado", disse Britto. "Nós queríamos uma lei que nos possibilitasse fazer um caminho do dinheiro, desde o primeiro doador até o último destinatário." O TSE adotou, nos últimos anos, um rigor maior na prestação de contas dos candidatos e está procurando verificar justamente de onde vem o dinheiro que eles recebem de seus partidos. Pelo texto da Câmara fica praticamente impossível fazer essa identificação já que o montante será primeiro recebido pelos partidos e de lá para os candidatos. "Esperávamos que a lei investisse em mecanismos coibitivos de caixa dois e doação oculta", lamentou Britto.

Neste ponto, a reforma eleitoral foi amplamente defendida pelo ministro da Defesa e ex-presidente do TSE, Nelson Jobim. Para ele, a concentração das doações nos partidos fortalece as legendas e fará com que os candidatos se reúnam em torno delas para obter recursos para a campanha. "O TSE quer saber, em sua burocracia, o dinheiro para cada candidato", apontou Jobim. "Mas, nós temos que privilegiar os partidos e fazer com que os candidatos dependam dos partidos", completou.

Por outro lado, Jobim disse que vai recomendar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o veto em dois pontos do projeto que também foram criticados por Britto. São: o voto impresso e o voto em trânsito. O primeiro já foi testado nas eleições de 2002, quando Jobim era presidente do TSE, e resultou em atrasos de horas no sistema de votação porque muitas máquinas impressoras quebraram e os eleitores demoraram a obter o papel impresso com o voto. "É um retrocesso", afirmou Britto. "Onera a eleição e, para nós, não tem sentido", completou. Já o voto em trânsito é positivo na teoria, porém, muito difícil de ser implementado na prática. "O voto em trânsito exigiria um sistema integrado em rede, logo, há impossibilidade técnica para que seja adotado", explicou Jobim. Britto disse que o TSE vai trabalhar para implementá-lo, mas reconhece que será difícil construir esse sistema integrado para permitir ao eleitor votar em qualquer lugar do país.

O presidente do TSE contestou ainda o fato de a Câmara ter equiparado a internet ao rádio e à TV na campanha do próximo ano. "A comparação da internet com mídias que dependem da concessão do Poder Público prejudica esse dinamismo que queremos para o processo eleitoral", disse Britto. Para ele, a internet deve ser um espaço maior para o debate, sem as limitações impostas às emissoras que possuem concessões públicas para funcionar e que são obrigadas, por exemplo, a fazer o convite para debates de todos os candidatos de partidos com representação na Câmara. "Achamos que qualquer analogia cabível só poderia ser com a mídia impressa ou escrita", resignou-se.

Relator do projeto de lei no Senado, Eduardo Azeredo (PSDB-MG) queixou-se da interferência da Câmara e disse que a proposta de modificação da Lei Eleitoral, aprovada na noite de quarta-feira, "está prejudicada em seu mérito". Azeredo contestou o fato de o relator do projeto na Câmara, Flávio Dino (PDT-MA), ter acompanhado a discussão da matéria no Senado e, depois, ter surpreendido os senadores com a derrubada das emendas.

Segundo Azeredo, a Câmara acertou ao manter a proposta feita pelos senadores de liberdade à manifestação do pensamento na internet, vedado o anonimato, mas errou ao aprovar o voto impresso a partir de 2014 - "um retrocesso, desnecessário" - e o voto em trânsito para presidente -"impraticável", segundo o senador.

Esses itens haviam sido retirados do texto no Senado. Azeredo criticou outros dois pontos vetados pela Câmara: a possibilidade de propaganda paga de candidatos à Presidência em sites noticiosos e a proibição de propaganda institucional e de participação de governantes na inauguração de obras e no lançamento de pedra fundamental quatro meses antes da eleição. Ao derrubar esse último item os deputados mantiveram a atual regra, que é a proibição três meses antes da eleição.

Correligionário de Azeredo, o senador Álvaro Dias (PR) também contestou a atuação da Câmara. "Acho inexplicável. É impossível que haja tantos obstáculos para aprovar o que o Senado fez. Passa a ideia de revanchismo", considerou.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), saiu em defesa do texto aprovado pelos senadores. "Era bem melhor", disse.

Para o senador Agripino Maia (RN), líder do DEM, "o texto do Senado era melhor do que o da Câmara". Ele rebateu as críticas feitas por deputados, de que o papel do Senado é de apenas revisar, não de criar tantas emendas. "Nós revisamos e alteramos para melhorar o texto, sem o sentido de fazer concorrência", comentou.

Um dos deputados que argumentava que o papel o Senado não é o de fazer as 67 emendas que os senadores fizeram foi o correligionário de Maia, o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO). "Nosso texto é melhor. Não há nada de relevante no que foi feito pelo Senado", disse Caiado.

Na análise do advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, o texto aprovado pelo Congresso tem brechas jurídicas "para que o Judiciário invada o espaço que era para ser ocupado pelo Legislativo". Um desses pontos é a doação oculta. O TSE pode continuar a exigir o caminho do doador ao candidato, mesmo com o texto prevendo que os recursos irão diretamente para o cofre dos partidos.